Título: Mudança estrutural cria vulnerabilidade
Autor: Cavalcanti, Simone
Fonte: Gazeta Mercantil, 27/08/2008, Nacional, p. A7

São Paulo, 27 de Agosto de 2008 - Embalada pelo aumento do preço das commodities e a valorização do real ante o dólar nos últimos anos, a estrutura industrial brasileira se modificou e hoje está mais centrada em setores extrativos em detrimento daqueles relacionados à transformação. Essa mudança, pouco comum em economias emergentes, pode fazer com que as importações de manufaturados, hoje vistas como um fenômeno conjuntural, se incorporem de vez ao sistema econômico brasileiro. E mais: caso a cotação dos produtos básicos recue, essa situação traria dificuldades para a balança comercial e, conseqüentemente, para o equilíbrio externo do País. "Estamos criando uma nova vulnerabilidade para o Brasil", diz Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industria (Iedi), cujo estudo foi obtido com exclusividade pela Gazeta Mercantil. Assim, afirma, se essa dependência por importações se consolidar, não há mudança de câmbio que conserte, pois não se consegue rearmar os elos de uma cadeia produtiva facilmente. O economista exemplifica: o Brasil já foi grande produtor e exportador de componentes eletrônicos e atualmente "nem com incentivos" há uma indústria grande o suficiente para atender ao mercado interno. O estudo, elaborado com dados sobre o desempenho global da indústria entre 1996 e 2006, mostra que o peso na estrutura industrial dos setores intensivos em recursos naturais foi crescendo em detrimento das categorias de maior tecnologia. No primeiro ano de análise, eram cinco os setores que representavam 51,8% do chamado valor de transformação (diferença entre o valor bruto da produção industrial e os custos das operações). Pela ordem, os fabricantes de alimentos e bebidas, de químicos, de veículos e carrocerias, de coque, refino de petróleo e produção de álcool e o de máquinas e equipamentos. Passados 11 anos, 50,3% se concentra em apenas quatro setores. Mantiveram-se na lista, as indústrias de coque (que dobrou a participação de 7% para 16,5%), de alimentos e bebidas e de químicos. Ascendeu em participação a metalúrgica básica. Já setores intensivos em tecnologia e ciência, como de máquinas para escritório e equipamentos de informática e o de transporte, incluindo aí a indústria aeronáutica, mantêm peso de 0,6% e 1,9%, respectivamente, na estrutura produtiva brasileira. Investimento concentrado De acordo com o levantamento, a despeito da evolução da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que registra taxa expressiva de crescimento a partir de 2004, os investimentos na indústria estão cada vez mais concentrados . De um total de 27 setores, oito são responsáveis por 70% do total investido. Novamente, a indústria extrativa de minerais metálicos está entre os primeiros. "A concentração dos investimentos nesses setores é uma indicação importante em relação à direção em que a indústria está se fortalecendo", indica o estudo. Os fabricantes de coque, refino de petróleo, elaboração de combustíveis nucleares e produção de álcool (classificação na qual se encaixa a Petrobras) lidera os investimentos, com 24,1% do global em 2006 ante 10% em 1996. Os fabricantes de produtos alimentícios e bebidas, vêm em segundo, com participação de 17%, algo não muito diferente de meados da década passada (16,3%). Em busca do equilíbrio Almeida ressalta que o movimento para aproveitar a valorização das commodities é positivo, entretanto, o País deveria compensar essa supremacia com políticas que também estimulassem os outros setores. "A economia não pode ser dependente de um ou dois fatores. A diversificação, que o Brasil ainda tem, é importante para garantir o crescimento", afirma o consultor, ressaltando que as atividades intensivas em tecnologia são requisito para a expansão equilibrada e sustentável do Produto Interno Bruto (PIB). (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 7)(Simone Cavalcanti)