Título: Código da discórdia
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Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2011, Opinião, p. 16

Visão do Correio

Um dos pontos mais polêmicos da proposta de novo Código Florestal, em tramitação na Câmara dos Deputados, é o que determina a anistia aos desmatadores e elimina punições a quem, a exemplo de 15 deputados federais e três senadores, não respeitou, entre outros artigos da Constituição de 1988, o de número 255 ¿ cujo inciso II trata de ¿preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país¿. Esses parlamentares, antes de agredir as leis brasileiras, também cometem, no mínimo, equívocos em sua postura de homens públicos, ao legislar em causa própria.

Em relação à Constituição, os deputados e senadores sobre os quais incidem multas impostas pelo Ibama podem estar infringindo também o artigo 186, que define os estatutos legais da função social da terra. Em síntese, essa lei adverte que tal função só é cumprida ¿quando a propriedade rural atende aos requisitos de aproveitamento racional e adequado, utilização dos recursos naturais e preservação do meio ambiente¿. A bancada rural (composta de 158 parlamentares) tem responsabilidade e não pode acobertar tais desvios. Deve, inclusive, ser cuidadosa no debate público sobre o atual projeto, que tem como relator o deputado comunista Aldo Rebelo (SP).

A temperatura dessa discussão tende a aumentar após a semana santa se a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências cumprirem o que promete o sumário de um relatório sobre o tema postado na homepage das entidades, assinado por 17 pesquisadores: divulgar amplamente e trazer a questão para o debate estritamente científico. Entre os pontos de destaque do documento, os cientistas questionam seriamente a tese da senadora Kátia Abreu (de saída do DEM), para quem a área de plantio encolheria 20 milhões de hectares, em 10 anos, caso os proprietários de terras do Brasil fossem obrigados a recompor terrenos devastados.

O relatório dos cientistas adverte que as áreas de preservação permanente, como matas em margens de rios, não podem ser alteradas. A flexibilização dessas áreas está prevista no texto em avaliação na Câmara dos Deputados. Os especialistas também afirmam no relatório que o Brasil tem terras de sobra para a expansão da agropecuária, bastando para isso mudar a política agrícola. É grave ainda, segundo eles, o fato de que o projeto ampliaria os riscos de deslizamentos de terras, pois legalizaria a ocupação de áreas sensíveis, como encostas e topos de morros.

Num momento desses, em que o Brasil se situa como um dos maiores celeiros de produção de alimentos do mundo, é necessário muita cautela ao se analisar e aprovar um código que carrega em seu conteúdo medular possibilidades de perigo à natureza, já tão fragilizada.