Título: Investimentos elevam em 25% o PIB do Pará
Autor: Lavoratti, Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 21/08/2008, Nacional, p. A6

Belém, 21 de Agosto de 2008 - Um novo modelo de desenvolvimento, baseado na modernização de uma economia extrativista, é o projeto do governo de Ana Julia Carepa (PT) para reduzir os problemas enfrentados pelo Pará, em plena Amazônia, no Norte do Brasil. Um dos pilares desse projeto é aliar a exploração dos recursos naturais à agregação de valor, por meio da verticalização da indústria. "Queremos crescimento econômico com enraizamento social", afirma a governadora em entrevista à Gazeta Mercantil. Além dos US$ 5 bilhões que a Companhia Vale do Rio Doce (Vale) anunciou recentemente, a governadora conta com uma onda de investimentos que inclui empreendimentos da Cosipar que, em parceria com a Nucor, construirá uma siderúrgica no Pará, e do grupo Votorantim, que negocia a construção de uma fábrica de cimento no estado. A meta de Ana Julia é fechar 2008 com 10 mil novas empresas de todos os portes e aumentar em 25% o Produto Interno Bruto (PIB) estadual. O programa de governo de Ana Julia também contempla a exploração do potencial da economia florestal, com preservação ambiental. O programa de restauração que pretende replantar 1 bilhão de árvores na Amazônia chamou a atenção do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, que convidou Ana Julia para participar, em setembro, nos EUA, do Fórum Global promovido por ele. Gazeta Mercantil - O Pará vive uma onda de investimentos. Além das ações da Vale, o estado receberá novos empreendimentos a curto prazo? O Pará é a bola da vez no desenvolvimento do País, principalmente na Amazônia. Há muito tempo eu digo: aqui não tem problemas, mas soluções para o Brasil. Para quem quiser ganhar dinheiro colocando no mercado interno e externo seu produto com o selo `produzido na Amazônia com sustentabilidade¿, é o momento de vir para cá. É o que está fazendo a Vale e outras empresas. A Nestlé amplia o seu leque de produção, aproveitando nosso grande potencial de industrialização de frutas típicas da região amazônica. Gazeta Mercantil - O Pará deu por encerrada a disputa com o Maranhão pela fábrica de celulose da Suzano? A primeira etapa (do projeto) acabou ficando no Maranhão, mas existe a forte perspectiva de uma segunda fase aqui, pois a Vale vai fornecer matéria-prima, inclusive está aumentando o Vale Florestal, um programa de US$ 300 milhões até 2015 para recuperar 300 mil hectares. Com isso e mais o programa 1 Bilhão de Árvores, num futuro próximo poderemos atrair com facilidade fábricas de celulose e papel. Gazeta Mercantil - Existe uma meta em termos de volume de novos investimentos ou número de indústrias? Até o final deste ano teremos pelo menos 10 mil empresas criadas de todos os tamanhos em todo o estado, mas sem dúvida a siderúrgica da Companhia Vale do Rio Doce (Vale) em Marabá é uma perspectiva que transborda para muitas outras empresas que virão atrás dessa siderúrgica. Não é fácil para um governante tomar a decisão de criar as condições necessárias para esse processo de desenvolvimento, que não significa apenas melhorar a infra-estrutura, mas também aumentar a capacitação e formação de recursos humanos. Essa decisão implica em abdicar de outros programas que certamente dariam mais resultados nas urnas. Ao lado dos investimentos no setor produtivo temos de cuidar da segurança, da saúde, da educação. Tudo está voltado para um mesmo objetivo: transformar o Pará, que tem a característica de ser um estado extrativista. A Sudam passou anos e anos financiando a pecuária, a indústria madeireira, mas sem uma perspectiva maior de agregar valor a esses recursos naturais. Agora nós estamos agindo e pensando diferente. As riquezas naturais são importantes, mas precisamos mais e estamos começando por um grande esforço para agregar valor ao minério primeiramente, nossa grande riqueza, depois a formação de mão-de-obra. Gazeta Mercantil - As parcerias com a Vale são expressivas nesse contexto. Temos um elenco de iniciativas conjuntas, como as 400 bolsas de estudo para fomentar doutorado e mestrado de profissionais paraenses. Em vez de pedir financiamento de campanha, pedimos para a Vale ser parceira do desenvolvimento, fazendo a parte dela, cumprindo as exigências legais. Porque as empresas são bem-vindas, mas não podem só tirar riquezas. A Vale diz que dos 62 mil empregos que irá criar em todos os países onde atua, até 2012, mais da metade estará aqui, o mesmo acontecendo com os investimentos. Dos US$ 59 bilhões que a empresa investirá em todo o mundo até aquele ano, US$ 20 bilhões virão para o Pará. Gazeta Mercantil - O que esses empreendimentos significam para a história do desenvolvimento do estado? Há muito tempo o Pará é festejado como o estado de muitos recursos naturais, o maior potencial hidrelétrico do País e a maior província mineral do mundo. Mas isso não se transformava num desenvolvimento interno com benefícios pela visão de modelo de desenvolvimento que existia. Durante muito tempo, se fomentou aqui projetos de indústria mineral com base na exportação. Quando se exporta produtos primários sem agregar valor, exporta-se também empregos e o potencial de desenvolvimento para outros lugares. Gazeta Mercantil - Em quê sua administração está contribuindo para melhorar essas condições? Primeiro convencemos o governo federal da importância de obras estratégicas na área de infra-estrutura, como a ampliação do porto de Vila do Conde, a conclusão das eclusas de Tucuruí e da Hidrovia do Tocantins, a construção, pela Vale, da termelétrica de Barcarena, ainda em processo de licenciamento, a construção de linhas de transmissão de energia elétrica e a dragagem de trechos do rio Tocantins. Tudo isso são projetos estratégicos não só para o Pará, mas para o Brasil, pois algumas são soluções logísticas de grande alcance. Isso está acontecendo em uma primeira etapa. O nosso governo está priorizando investimentos nessa mesma direção e também exercendo uma postura de exigência ao cumprimento da legalidade em relação ao meio ambiente, ao cumprimento da lei. Estão em andamento três parques tecnológicos em Santarém, Marabá e Belém. No momento em que retiramos da Assembléia Legislativa o projeto de lei que extinguia as companhias de distritos industriais, estamos revitalizando os distritos industriais - o da capital, Ananindeua, Barcarena e Marabá. Neste mês vamos lançar em Marabá o edital de revitalização das etapas 1 e 2 do distrito industrial e ampliação com a fase 3, com 173 lotes adicionais. Também já desapropriamos a área para construir a siderúrgica da Vale e apresentamos ao governo federal o projeto de adequação da rodovia PA 150, que é estratégica por ser um elo de ligação entre rodovias estaduais e federais, além de estar situada nessa rota de desenvolvimento. A primeira etapa, em fase de licitação, vai de Marabá a Belém, e faz parte desse conjunto de obras complementares ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que apresentamos ao Palácio do Planalto. Gazeta Mercantil - Como viabilizar a verticalização da produção, um ponto relevante desse modelo de desenvolvimento? O fundamental desse boom de investimentos é que o governo estadual se determinou a isso, faz parte de um projeto estratégico que também inclui a verticalização da produção. Nesse sentido a parceria com o governo federal está sendo fundamental. Além da parceria com o governo federal, foi fundamental convencer a Vale a implantar aqui uma nova siderúrgica. A nova siderúrgica, a Aços Laminados do Pará, em Marabá, ao produzir bobinas laminadas a quente, chapas grossas e tarugos, vai induzir toda a cadeia de produção no Pará, especialmente. na região de Marabá, atraindo outras indústrias ao Pará, como fábricas de vagões, de dormentes metálicos, de tubos soldados para sistemas de abastecimento de água, implementos agrícolas e assim por diante. Gazeta Mercantil - Toda essa onda de novos investimentos está vinculada a uma questão que tem sido bastante polêmica ultimamente: o licenciamento ambiental. Qual sua opinião sobre isso? Eu tenho tranqüilidade em relação a isso porque estamos executando uma política na área ambiental calcada na exigência da legalidade. Criamos condições para a Secretaria do Meio Ambiente agilizar os licenciamentos, sem deixar de ser criteriosa para evitar uma liberalidade que possa levar ao descrédito. Quando o Estado exige o cumprimento da legislação, nos credenciamos perante o País e o mundo inteiro para atrair investimentos. Com isso, o carimbo "Produzido na Amazônia com sustentabilidade" - baseada no tripé ambiental, social e econômico - valoriza o produto no mundo inteiro. Nosso interesse é mostrar que no Pará, em plena Amazônia, num estado que tinha uma cultura de desrespeito às leis, agora exige o respeito às leis, tem empreendimentos que agregam valor aos recursos naturais. O investidor quer regras claras para produzir, mas além de tudo isso o investidor tem um algo a mais no produto dele, que é o fato de produzir na Amazônia com responsabilidade ambiental e social. Gazeta Mercantil - Como levar o projeto 1 Bilhão de Árvores adiante? Uma das premissas desse modelo de desenvolvimento é que temos de explorar nossas riquezas naturais sem destruir o meio ambiente. Ao contrário, temos de dar uma resposta concreta ao desmatamento, ao aquecimento global, recuperar a floresta. Mas sempre com o foco na população. Queremos que metade da meta do 1 Bilhão de Árvores para a Amazônia, programa de restauração florestal até 2013, seja atingida com a participação dos agricultores familiares. Queremos que eles contribuam e ganhem dinheiro com isso. É dessa forma que o governo do Pará está respondendo ao desmatamento e aquecimento global: recuperando a floresta de forma que essa iniciativa melhore a vida da população, em conseqüência de se apropriarem dessa riqueza também. Trazer uma nova siderúrgica, atrair dezenas de empresas sem um projeto de inclusão dos trabalhadores rurais e das camadas mais pobres, com capacitação de mão-de-obra local, de nada mudaria a realidade social. Gazeta Mercantil - Há algum apoio internacional ao projeto de 1 bilhão de árvores? Nos governos anteriores o desmatamento no Pará era tão grave quanto agora, e morreram mais bebês na Santa Casa de Misericórdia de Belém do que agora. Mas essa constatação não resolve o problema. Não interessa que nos governos anteriores não se fez nada, interessa que no meu governo vou resolver, aumentando a cobertura da saúde básica e construindo novos hospitais. E o problema do desmatamento? Eu estou na Amazônia, não adiantaria me esconder. Tenho de exigir das guseiras a garantia de que todo o carvão utilizado seja de origem legal. Também preciso mostrar ao mundo essas iniciativas para que o mundo nos apóie, não só pressione. Se o resto do mundo não nos apoiar, não vamos deixar de fazer o que tem de ser feito, mas temos de mostrar nossas ações. O mundo olha o Pará com uma lupa, pois é a síntese da Amazônia, para o bem e para o mal. Somos a maior província mineral do mundo, temos o maior potencial hidrelétrico, uma biodiversidade fantástica. Mas também temos trabalho escravo e infantil, desmatamento ilegal, grilagem de terra. Essa segunda parte tem de ficar para a história, por isso estamos combatendo o trabalho escravo e infantil. O projeto de 1 bilhão de árvores está entre os escolhidos para o Fórum Global promovido pelo ex-presidente norte-americano Bill Clinton, em Nova York, em setembro. Se a ONU faz campanha para o plantio de um bilhão de árvores em todo o planeta, vamos mostrar que é possível atingir esse número somente no Pará. Se conseguirmos fazer isso, será uma maravilha: vamos recuperar 20% dos 240 mil quilômetros quadrados de áreas já degradadas. Gazeta Mercantil - Até o presidente Hugo Chávez (Venezuela) estaria interessado em investir aqui? O Pará já tem uma boa parceria comercial com o presidente da Venezuela e novas perspectivas estão em negociação. Uma missão do governo venezuelano já esteve aqui e em breve um grupo de técnicos do governo paraense irá para lá. Já exportamos búfalos para eles, mas queremos que comprem a carne para agregar valor. Várias possibilidades dessa troca estão sendo estudadas. Hugo Chávez também se mostrou até interessado em ser sócio da siderúrgica da Vale em Marabá. Já falei sobre isso com o Roger Agnelli, presidente da Vale, e o convidei para ir lá na Venezuela. Agnelli disse que topa voltar à Venezuela, onde já esteve recentemente. Gazeta Mercantil - Quais os projetos complementares ao PAC apresentados à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e ao presidente Lula ? A adequação da PA 150, cujo formato não está decidido, poderá ser a federalização ou um convênio. Essa rodovia terá de ficar em condições de acostamento e asfalto capaz de suportar um tráfego intenso. As cargas mais pesadas futuramente irão pela Hidrovia do Tocantins, com percurso quase paralelo à rodovia, que ainda depende da conclusão das eclusas de Tucuruí, programada para ficar pronta em um ano, e da derrocagem de trechos do Tocantins para tornar o rio navegável, que não é uma obra muito demorada. Estamos focando nossa ação em tudo isso porque o desenvolvimento finalmente vai acontecer, vamos continuar atraindo grandes empreendimentos. Também pedi recursos para a construção de uma nova Santa Casa, pois o prédio atual tem mais de 350 anos. A não ser que eu descaracterize completamente a construção - e isso é complicado porque trata-se de um edifício tombado pelo Patrimônio Histórico -, não dá para transformar aquilo em um hospital eficiente. Já temos sinal verde do governo federal para receber R$ 79 milhões para construir e equipar uma nova Santa Casa e colocar fim a esses episódios lamentáveis (referência à morte de dezenas de bebês nas dependências do hospital).Além disso, contamos com apoio do Planalto para mais um conjunto de obras de transporte intermodal -- rodovias e hidrovias - e nas áreas de produção de energia e portuária, como um novo pier no porto de Vila do Conde. Gazeta Mercantil - Esses investimentos federais e estaduais somam quanto? Se somarmos as eclusas de Tucuruí, a ampliação do porto de Vila do Conde, hidrelétricas, a Hidrovia do Tocantins e a adequação da PA 150, esses recursos federais destinados ao Pará vão a mais de R$ 2 bilhões. É muita coisa. Somente a revitalização das fases 1 e 2 do distrito industrial de Marabá, mais a ampliação, vão custar R$ 8 milhões. Isso ajuda a reduzir uma grande contradição: o Pará é muito rico, mas a população é muito pobre. O principal ponto da mudança do modelo de desenvolvimento é o foco, que não é mais a produção como um fim em si mesmo, e sim a melhoria das condições de vida da população. Por isso direcionamos os investimentos para o interior, sem abandonar a capital. Em Belém vivem mais de 1 milhão de paraenses e muitas áreas deixam a desejar em termos de habitação, saneamento básico, abastecimento de água. Mas o interior estava ainda pior, não se pensava em um projeto integrado de Estado, fazia-se uma obra aqui e outra ali. Embora fique na maior bacia hidrográfica do mundo, o Pará tem metade da população sem acesso a água potável. Nossa meta é aumentar em 25% a cobertura de abastecimento de água, com 200 mil novas ligações. Dentro desse modelo de desenvolvimento, a economia de base florestal tem papel relevante. Ao mesmo tempo, o Pará convive com índices elevados de desmatamento. Gazeta Mercantil - Apesar de ocupar o cargo de governadora de Estado, a senhora continua sendo uma pessoa simples, continua dançando carimbó nas festas populares e isso, às vezes, suscita polêmica e críticas. As mulheres ainda são discriminadas na política? Não vou abrir mão do que considero fundamental : o contato com o povo, que só não é mais freqüente por falta de tempo. Penso que estou cumprindo uma função passageira. E não vou deixar de ser autêntica perante quem me elegeu, especialmente os mais pobres. Também não vou mudar meu jeito de ser e isso pode causar polêmica porque as mulheres ainda são vítimas do machismo e preconceito. Se deixar de mostrar que temos competência para dirigir um Estado, prefeituras e empresas além das casas e dos filhos, de sermos boas mães, filhas e esposas, daria um mau exemplo. Em todo o Brasil e especialmente no Norte, um número elevado de mulheres são chefes de família. Se não mostrar que é possível fazer tudo isso e ser mulher, não abrir mão da condição feminina, que exemplo estaria dando às outras mulheres paraenses quando elas sofrem preconceito? Se mudasse, talvez seria melhor aceita em algumas camadas sociais. Mas não me conformo e muito menos me submeto a essa hipocrisia. Prefiro pagar o preço de ser autêntica. Aprendi a conquistar meu espaço. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 6)(Liliana Lavoratti)