Título: Por que o Brasil quer a ONU
Autor: Fontoura, Jorge
Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2011, Opinião, p. 17

Professor titular do Instituto Rio Branco e presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul

O Brasil acaba de ver concretizado o passo mais consequente em direção ao perene anseio de sua política externa. Na recente reunião dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), realizada na China, de maneira inédita o bloco defendeu sem meias-palavras a necessidade de reforma da Organização das Nações Unidas. Vale dizer, mais assentos permanentes em seu Conselho de Segurança e a consequente abertura da vaga brasileira.

A ONU, ao contrário do que afirmam seus detratores, sempre se fortalece após as crises, consolidada como insubstituível fórum mundial, a prover a manutenção da paz e a segurança coletiva possíveis. A recorrente crítica que recebe decorre de expectativas ingênuas acerca do que possa ser o multilateralismo em um mundo de geometrias variáveis, com todos os limites e circunstâncias da realidade.

E se a ONU é importante, o Conselho de Segurança é em seu bojo o órgão das grandes decisões. Os membros efetivos, Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China, podem, como única exceção ao princípio da igualdade das nações, bloquear pelo veto individual qualquer decisão da organização, ungidos como os cinco efetivos juízes da sociedade internacional. O Conselho de Segurança possui ainda 10 membros transitórios, entre os quais o Brasil, que embora possam votar não podem vetar. Trata-se de um grupo de poder aparente, o que explica o empenho do Itamaraty na conquista do assento permanente.

Compor o Conselho de Segurança como membro pleno não corresponde à pretensão nova da política externa brasileira. Já na conferência para a fundação da ONU, em 1945, em São Francisco, nos Estados Unidos, conforme relatório do chefe da delegação brasileira, embaixador Pedro Leitão Velloso, o país pleiteava o mesmo tratamento que se concedia à França, ao assinalar ¿a decepção que a exclusão brasileira poderia significar perante a opinião pública¿. Na lógica de poder do segundo pós-guerra, no entanto, a capacidade nuclear era fator primordial e o Brasil estava fora do que depois chamou-se ¿clube atômico¿. Claramente, no entanto, temos tradição e prestígio na casa. A primeira fala que se ouviu na Assembleia Geral, em 1947, foi a de Oswaldo Aranha e, desde então, incumbe ao Brasil a abertura anual das sessões.

Hoje, em um mundo totalmente distinto daquele que viu nascer a ONU, no qual grandes decisões não devem ser tomadas à revelia de potências emergentes como Brasil e Índia, o aggironamento dos mecanismos de poder e da forma de tomada de decisões é inadiável. Em particular, com a adoção de medidas de maior transparência e coparticipação, conforme o predominante espírito do tempo em que vivemos.

A possibilidade da qual o Brasil agora dispõe, de ascender ao restrito grupo que possui poder de veto, além do caráter simbológico que encerra, representa patamar de poder real, não isento de responsabilidades e de desafios. No plano dos encargos, devemos estar atentos aos grandes gastos que irão sobrevir, em especial no que se refere à participação em missões de paz, que tendem a ser cada vez mais onerosas e frequentes. Porém, os lucros são muito maiores e a nação adquire outro substrato, com prestígio e credibilidade traduzíveis de imediato em vantagens comerciais e de inserção em novos mercados. Algo indispensáveis para o país que necessita aumentar o tamanho e a qualidade de sua economia, assolado pelo clamor da miséria residual de substancial parcela da população, a par das contradições de um processo de desenvolvimento desarmônico e sincopado.

De resto, galgar o mais alto escalão internacional poderia ser a redenção para uma identidade nacional, como sociedade que assume o ônus e o bônus de sua propalada grandeza. Também serviria para permitir superar o recorrente dilema da imagem do Brasil: por vezes locus caricato de banalidades e futilidades tropicais e, por outras, a sétima economia do mundo, mercado confiável para investimentos e parcerias estratégicas. Afinal, um passo memorável, a obrigar o país a incorporar e projetar a sua verdadeira face.