Título: Commodities e economia mundial: o que esperar
Autor: Delella, José Mauro
Fonte: Gazeta Mercantil, 19/08/2008, Opinião, p. A2

19 de Agosto de 2008 - O primeiro semestre de 2008 foi caracterizado por uma contínua elevação nos preços internacionais de commodities. Baseado nos fundamentos e impulsionado por fatores pontuais, esse movimento deslocou vários produtos agrícolas, metais e petróleo para recordes históricos e, embora representando um ajuste de preços relativos, contribuiu de forma importante para a deterioração do cenário e das expectativas inflacionárias durante o segundo trimestre. Nos últimos meses e mais intensamente a partir do início de julho, porém, essa tendência de alta foi revertida. Com implicações relevantes sobre os preços de ativos de vários países que são exportadores líquidos de produtos primários. Entre eles, com destaque, o Brasil. Projetar a evolução futura dos preços de commodities é sempre uma atividade que envolve um elevado número de variáveis e considerável risco de erro. Mas é inevitável fazê-lo, por sua implicação decisiva sobre as estimativas de comportamento futuro de indicadores econômicos muito relevantes, como a inflação, o consumo e a dinâmica do balanço de pagamentos. Se o objetivo é falar do futuro, porém, é necessário começar falando do passado. Afinal, o que vai ocorrer com os preços depende também dos níveis correntes - e estes, de forma geral, podem ser explicados mais por erros do que por acertos do mercado nas suas projeções feitas nos últimos meses. Como é sabido, há inúmeros fundamentos que justificam a tendência de valorização das commodities nos mercados internacionais durante os últimos anos. A manutenção de taxas de crescimento mundial muito elevadas por um longo período de tempo, a incorporação de um número expressivo de indivíduos ao mercado de consumo em países de renda per capita mais baixa, onde acréscimos de renda levam a incrementos mais significativos na demanda por bens primários, restrições à expansão da oferta em praticamente todos os segmentos e até mesmo as mudanças na matriz energética global (notadamente nos Estados Unidos) são algumas das principais explicações, mas não as únicas, para esse movimento. Mas a aceleração do movimento de alta - baseada na expectativa de um cenário de decoupling (em que a desaceleração da economia americana seria rápida e pouco intensa o suficiente para ser absorvida sem perda de produto pelo resto do mundo) e na desvalorização do dólar contra outras moedas - refletia um otimismo exagerado e, aí sim, pouco fundamentado. Como não poderia deixar de ser, a perda de dinâmica nos EUA chegou, com alguma defasagem, ao resto do mundo. Se os dados relativos ao primeiro trimestre do ano mostraram taxas de crescimento que sempre superaram as projeções, principalmente em países desenvolvidos como a União Européia (UE), a Inglaterra e o Japão, o quadro agora é oposto. Os riscos de crise financeira sistêmica nos EUA foram minimizados, mas o cenário de crédito está ainda algo distante de retornar a uma situação que poderia ser caracterizada como normal. Portanto, o ajuste da economia americana será mais demorado e os efeitos sobre o resto do mundo, que já começam a se materializar, têm tudo para permanecer durante os próximos meses. Nesse contexto, um fator adicional que ajudou a impulsionar as commodities no primeiro semestre, a desvalorização do dólar, também se reverte - basicamente porque a diferença de desempenho entre as economias se estreita. Com dólar em alta, produtos ficam mais caros em outras moedas e, portanto, a pressão vendedora se intensifica. A análise acima visa a explicar que o ciclo recente de perda nas commodities pode ser entendido como um ajuste de exageros passados, mais do que a incorporação de projeções pessimistas para o futuro. Nas últimas semanas, tem crescido o debate em torno da desaceleração chinesa, como fator que seria o determinante para o movimento. Discordamos. Se é verdade que o crescimento agregado da China irá decrescer de 11,7% no ano passado para algo em torno de 10% ou pouco menos em 2009, é igualmente verdadeiro que toda a desaceleração virá da contribuição das exportações líquidas (que, no ano passado, garantiram nada menos do que 2,7 pontos percentuais da expansão chinesa e neste ano darão pouco mais que zero). A demanda doméstica se mantém muito robusta e, apesar das evidências de perda de dinamismo em setores da indústria mais dependente das exportações, as vendas no varejo crescem a taxas em aceleração e o investimento é estável em níveis elevados.A propósito, o governo chinês sinalizou recentemente que, embora a menor taxa de crescimento se deva à contribuição da demanda externa, ela é suficiente para que seja removido o caráter "restritivo" das ações de política econômica. Ou seja, as políticas monetária e cambial na China devem se tornar mais expansionistas - ou no mínimo, menos contracionistas - durante os próximos meses. Mas, afinal, para commodities, o que isso significa? O cenário para a economia mundial para os próximos trimestres é, como se sabe, de crescimento menor do que o registrado no ciclo ultrabenigno de 2003-2007. Portanto, o acréscimo marginal na demanda por commodities é limitado. Em contrapartida, os fatores fundamentais não autorizam a formação de cenários de colapso. Ao contrário: no geral, as estatísticas de oferta/demanda ainda estão apertadas e os riscos continuam a favor do produtor. A disposição dos bancos centrais ao redor do mundo, de combater mais incisivamente a inflação, que já era pequena, fica agora ainda menor. O mercado ajusta os exageros e, nesse contexto, o risco de um "undershooting" não é desprezível. Mas uma queda consistente e duradoura dos preços de commodities dependeria de uma deterioração adicional do ambiente global, que aumentasse a probabilidade de um cenário de recessão mundial. É um risco, mas não é o cenário mais provável. Bom para nosso balanço de pagamentos, mas ainda um sinal de cautela para o Banco Central. kicker: O ciclo recente de queda das commodities pode ser ajuste de exageros (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) JOSÉ MAURO DELELLA* - Superintendente de Análises Econômicas/Área de Mercado de Capitais do Banco Itaú. Próximo artigo do autor em 15 de setembro)