Título: Irã ressentido com mudança do Brasil
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 20/04/2011, Mundo, p. 19

Chanceler adjunto lamenta voto na ONU e adverte sobre ação dos EUA para afastar os dois países Enviada especial (*)

Teerã ¿ O voto do Brasil no Conselho de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas, no último mês, a favor do envio de um observador ao Irã, acendeu um sinal de alerta em Teerã. Para a chancelaria iraniana, críticas entre dois países amigos são permitidas, mas é preciso não abrir espaço para os ¿inimigos dessa relação¿, como os Estados Unidos. Em entrevista a jornalistas brasileiros, no Ministério das Relações Exteriores, na última segunda-feira, o ministro-adjunto para as Américas, Behrooz Kamalvandi, falou sobre a pressão que representantes de governos como o de Washington fazem sobre os países amigos do Irã nos ¿corredores de Genebra¿, mas diz que a República Islâmica continua acreditando na boa vontade do Brasil sobre a relação bilateral.

¿Quando nós olhamos para a Declaração de Teerã ¿ o acordo sobre a questão nuclear assinado em maio passado, durante visita do então presidente Lula, mas rejeitado pelas potências ¿ e essa postura adotada agora (no Conselho de Direitos Humanos), é muito difícil dizer que estão no mesmo sentido¿, afirmou Kamalvandi, na primeira declaração do governo de Teerã sobre o voto brasileiro. ¿Como amigos, podemos criticar uns aos outros, mas não podemos dar espaço aos inimigos da nossa amizade¿, completou, em referência ao apoio dado pelo Brasil, no CDH, à resolução sobre o Irã.

Embora ressalvando que não vê a postura brasileira como fruto da pressão de Washington, o responsável pelas Américas na diplomacia iraniana ressaltou o impacto que ela teve em Teerã. ¿Se o Brasil apoia, voluntariamente ou não, uma política dos Estados Unidos, isso os deixa felizes e claramente não nos agrada¿, declarou. Segundo o diplomata, os dois países precisam levar isso ¿sempre em conta¿ na relação bilateral. ¿Quando somos amigos, temos mais expectativas¿, disse Kamalvandi. Ele lembrou, contudo, que toda relação entre países amigos tem seus ¿altos e baixos¿.

Dificuldades O alto funcionário minimizou a decisão de estabelecer um relator para avaliar a situação dos direitos humanos no Irã, e observou que não é a primeira vez que o organismo em Genebra faz essa opção.

Mas também reconheceu que seu país tem ¿muitas dificuldades¿ nessa área, assim como o Brasil. ¿Não queremos dizer que temos uma situação favorável aqui no Irã em relação aos direitos humanos. Temos de corrigir muitas coisas, e o Brasil também tem. Mas o primeiro país que tem de corrigir muitas coisas são os EUA¿, apontou.

Para o diplomata, o tratamento que vem sendo dado pelos governos ocidentais ao caso da iraniana Sakineh Ashtiani, condenada à morte sob a acusação de ter planejado a morte do marido, mostra como há interesse das potências em passar uma ¿imagem distorcida¿ sobre os direitos humanos no país. ¿Esse é um assunto jurídico que já tem cinco anos e ainda não está terminado. É preciso lembrar que aqui também temos leis, temos justiça¿, disse o vice-ministro.

Durante visita da presidente Dilma Rousseff à China, na última semana, o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, disse que o país não vai se transformar em um ¿alto-falante permanente¿ sobre direitos humanos, tratando o tema com obsessão. Depois do voto sobre o Irã em Genebra, a definição da postura do Brasil sobre violações em países como China e Cuba é considerada um dos grandes desafios diplomáticos no início do governo Dilma.

* A repórter viajou a convite da Organização de Herança Cultural, Artesanato e Turismo do Irã (órgão do governo)

Mediação sem resultados O acordo assinado em Teerã em maio passado foi uma das apostas mais arriscadas do governo Lula no âmbito global. O então presidente brasileiro, em dupla com a Turquia, convenceu Mahmud Ahmadinejad a aceitar que o combustível para seus reatores fosse enriquecido no exterior. A concessão foi ignorada pelos EUA e demais potências, que impuseram nova rodada de sanções ao Irã.