Título: Começa hoje batalha por energia da Usina de Itaipu
Autor: Arêas, Camila
Fonte: Gazeta Mercantil, 15/08/2008, Internacional, p. A13

Rio de Janeiro e Assunção, 15 de Agosto de 2008 - O ex-bispo Fernando Lugo, eleito em abril com 40,8% dos votos, assume hoje a Presidência do Paraguai em uma experiência inédita de transferência de poder no país que viveu 61 anos sob o comando do Partido Colorado. A ruptura histórica teve como protagonistas o Brasil e a hidrelétrica de Itaipu, ambos alvo de ataques da campanha eleitoral nacionalista que elegeu Lugo. O líder já declarou que o preço justo da energia de Itaipu será o carro-chefe de sua agenda política, a começar com uma reunião de técnicos de ambos países dentro de 15 dias. A razão da prioridade é simples. A negociação dos termos do Tratado de Itaipu beneficiaria o Paraguai com uma arrecadação extra necessária para impulsionar os investimentos sociais e gerar desenvolvimento do país, engessado por décadas de corrupção. Lugo, o primeiro esquerdista eleito pelas urnas desde a transição democrática, prometeu esgotar todas instâncias de diálogo com o Brasil. O presidente Lula participa da posse ao lado de outros 10 líderes, príncipes da Espanha e 90 delegações oficiais. Na ocasião, não discutirá sobre Itaipu, já avisou. Nomeado para a equipe técnica que participará das negociações, o engenheiro Ricardo Canese adianta que o Paraguai apresentará ao Brasil uma proposta de seis pontos: Que o Paraguai tenha livre disponibilidade para exportar sua energia excedente. Que esta seja vendida ao Brasil pelo preço de mercado. Que a dívida de Itaipu com a Eletrobrás seja revista. Que a administração de Itaipu seja manejada meio a meio. Que a empresa seja controlada pelos Tribunais de Contas de ambos países. Que se executem obras não cumpridas, como a subestação de distribuição que permitiria ao Paraguai 100% de abastecimento de energia elétrica. A Usina de Itaipu atende a 19% da energia consumida no Brasil e a 91% do consumo paraguaio. Pelo tratado, cada um dos países tem direito a usar 50% da energia gerada, mas como a demanda do Paraguai é menor - apenas 5% - o país vende restante ao Brasil. Pagamos US$ 45,31 pelo MW/h, abaixo do US$ 72 do preço de mercado. Ex-embaixador do Paraguai no Brasil, Carlos Alberto González, também convidado a participar do Conselho de Itaipu avalia que se a "assimetria foi aberta pela falta de compromisso das autoridades que dirigiam Itaipu, com a nova equipe, o Brasil verá maior respeito à lei". Quando o tratado foi firmado pelas ditaduras militares em 1973, a cotação do petróleo era de US$ 3 por barril. Hoje, ultrapassa os US$ 100 e o preço da energia paraguaia vendida ao Brasil manteve-se igual. "A distorção provoca uma sangria anual de US$ 700 milhões em nosso cofre. Também não podemos negligenciar que em época de aquecimento global, a energia de Itaipu é supervalorizada, limpa e renovável", diz ele. Pouca força no Congresso A esperança popular diante do fim do coloradismo se mistura à incerteza sobre um presidente sem identidade partidária e com pouca força no Congresso. Debilidades que se impõem como as principais travas na negociação com o Brasil. A revisão do Tratado de Itaipu passa necessariamente pelo Congresso, onde importantes dirigentes colorados, maioria na Casa, são aliados históricos do Brasil. "Neste caso, a segunda maioria no Congresso, o Partido Liberal, que integra a coalizão de Lugo, não pode correr o risco de chocar-se com a cúpula ministerial onde não conta com a mesma representatividade. A aposta de Lugo em dividir os cargos de sua equipe entre movimento sociais pode ser perigosa", avalia Luis Fretes Carreras, politólogo da Universidade Católica de Assunção. Amigo pessoal de Lugo, Fei Betto diz esperar "que o presidente fomente o apoio dos movimentos sociais a seu governo, não cometendo o erro do governo Lula que decidiu se apoiar no Congresso". O pesquisador Nelson Franco Jobim desconstrói a necessidade paraguaia de arrecadar fundos de Itaipu para investimento no social: "A contraproposta brasileira que prevê congelar o preço da energia em troca de investimento em infra-estrutura alcança o objetivo de Lugo, que terá de cumprir a promessa. As reclamações têm tido grande repercussão na imprensa brasileira, ante o temor de que se repita uma situação como a da Bolívia, que conseguiu aumentar o preço do gás vendido ao Brasil depois da eleição do presidente Evo Morales. Lugo e Lula não vão tratar do assunto durante a solenidade de hoje, mas numa futura reunião, no Brasil. A economia paraguaia depende em 60% de seu intercâmbio com o Brasil. Ambos integram o Mercosul, junto com Argentina, Uruguai, e com a Venezuela em processo de adesão. "Para o Paraguai, uma boa relação com o Brasil deveria ser irrenunciável", opinou o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Amado Cervo. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 13)(Camila Arêas e AFP)