Título: País é menos vulnerável mas não imune à crise
Autor: Cavalcanti, Simone
Fonte: Gazeta Mercantil, 16/09/2008, Nacional, p. A4

São Paulo, 16 de Setembro de 2008 - A economia brasileira hoje tem níveis de vulnerabilidade baixos, mas está longe de ser imune à atual turbulência internacional. No curto prazo, os indicadores econômicos são favoráveis para manter o País no rumo da expansão. No entanto, no médio e longo prazos, a grande probabilidade de aumento do déficit em transações correntes, o elevado patamar de gastos públicos e o ainda baixo nível de investimentos podem impedir que o Brasil sustente o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em patamares elevados. Economistas reunidos ontem no 5 Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) concordam que ainda é longo o percurso para um ciclo de desenvolvimento sustentado, ao contrário do que defendeu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, na abertura do evento. Yoshiaki Nakano, diretor da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera que, no curto prazo, é pequena a probabilidade de uma parada súbita do fluxo de capitais em direção ao Brasil, o que poderia gerar uma nova crise no balanço de pagamentos. O economista se baseia em levantamento feito com 15 indicadores econômicos, que, em sua grande maioria, melhoraram. Entre eles, o de exportações em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que passou de 6,1% para 12,2%; o serviço da dívida sobre exportações, que recuou de 126% para 22,5%; o déficit público, com queda de 7,9% para 2,2% do PIB; além do risco-país, que era de 1.200 pontos e agora por volta de 300 pontos. "Mas a possibilidade de alguma crise no médio prazo não está afastada", ressaltou, lembrando dos perigos do crescente déficit em transações correntes e a continuidade de queda das cotações das commodities em um ambiente de turbulência internacional. Segundo Nakano, o que mais preocupa em relação ao contágio da crise é o indicador de reservas cambiais sobre o volume de depósitos à vista, de poupança e títulos privados ¿ agregado monetário convencionado como M2. Esses ativos são mais facilmente convertidos em dólar e, portanto, a qualquer momento podem sair do País. Atualmente, as reservas internacionais de US$ 203 bilhões correspondem a 35%, em média, do montante do M2. Houve uma melhora se comparado aos 25% médios de dez anos atrás, mas isso torna-se pouco significativo com as perspectivas futuras de déficits em conta-corrente. "Essa massa de moeda líquida pode gerar explosão na taxa de câmbio", afirmou, ressaltando que seria ilusório achar que reservas no nível atual salvariam o País ou o deixariam imune. "É uma questão de confiança, de uma hora para outra esses recursos podem sair". Efeito cambial A desvalorização do real frente ao dólar, explica Nakano, é benéfica do ponto de vista de melhoria tanto desse indicador quanto da possibilidade de melhora na conta-corrente. Muito embora, ressalta, para que o efeito seja positivo nas exportações a demora é entre um ano e meio e dois anos. O ponto negativo é a inflação gerada pela variação do câmbio. O ministro Guido Mantega negou ontem que esse movimento traga risco de aumento dos índices de inflação no Brasil. Segundo ele, em 1999, quando o regime de câmbio passou a ser mais flexível, as estimativas eram de que a inflação seria de 30% naquele ano. "Hoje não existe este perigo. Até agora, essa desvalorização não nos afeta, por isso não devemos nos desesperar", disse. Mantega afirmou que esse efeito será mais que compensado pela queda das cotações das commodities. "É uma situação que, embora causada por uma crise, acaba ficando redonda." Nakano e outros economistas não vêem assim. Durante o seminário, disseram que há chances de repasse e que o melhor instrumento para o governo aproveitar a desvalorização "natural" do câmbio sem que isso se refletisse nos preços seria a contenção efetiva das despesas correntes e o conseqüente aumento da poupança. "Só assim o efeito da desvalorização não seria inflacionário", disse Nakano. O economista e ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira completa o raciocínio lembrando que hoje 33% da economia está indexada de alguma maneira, o que aumenta as chances de contágio pelo câmbio. Apesar disso, Bresser-Pereira defende a continuidade da desvalorização do real, mesmo que isso gere inflação acima da meta atual ¿ cerca de 8%. Duas linhas claras se delinearam ontem durante o seminário. Se de um lado a maioria dos economistas presentes sinalizou contra o controle de capitais, Bresser-Pereira e o economista José Luiz Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB), se mostraram favoráveis. Enquanto o primeiro defende o controle na entrada, o segundo, na saída. "Se tivéssemos controlado mais firmemente a entrada, não estaríamos com esta taxa de câmbio", disse Bresser, para quem a taxa apropriada é em torno de R$ 2,30 ou R$ 2,50. Para Oreiro, há um desalinhamento cambial entre 20% e 30% e, para alinhar, seria necessário controlar a saída de capitais, principalmente em um momento de crise como o atual. "Estamos, mais uma vez, olhando pelo retrovisor e achando que nada ocorrerá", disse. "É impossível fazer alinhamento cambial que não envolva controle de saída de capitais, a não ser que seja jogar a taxa de juros na estratosfera." (Gazeta Mercantil/Caderno