Título: Déficit não é necessariamente ruim
Autor: Lavoratti, Liliana
Fonte: Gazeta Mercantil, 18/09/2008, Nacional, p. A9

18 de Setembro de 2008 - O recente retorno do déficit em conta corrente ainda divide a opinião dos economistas. Mailson da Nóbrega, ex-ministro e sócio da Tendência Consultoria, está entre os que não vêem no atual cenário das contas externas o risco de uma crise no balanço de pagamentos. "Tem gente vendo fantasmas e raciocinando com situações do passado, imaginando que estamos à beira do precipício e, por trás disso, vem a demanda para que o Banco Central reduza os juros e induza a desvalorização da moeda", afirma. Segundo Mailson, o Brasil está longe de correr o risco de repetir o passado, pois a situação de hoje é profundamente distinta de qualquer outra época. "Déficit em conta corrente não é necessariamente um dado ruim, significa que estamos aumentando nossa capacidade de investir", continua o ex-ministro. O déficit atual não decorre do aumento de consumo. "E se o nível de poupança doméstica não se altera ou até melhora é sinal de que o déficit está vindo para somar poupança externa à poupança doméstica", completa. Outro argumento diz respeito ao nível do déficit em conta corrente: segundo Mailson, "perfeitamente financiável e num patamar de prudência". Na opinião dele, existe uma espécie de sabedoria convencional segundo a qual não é arriscado ter um déficit em conta corrente de até 3% do Produto Interno Bruto (PIB), desde que financiado e não destinado ao consumo. "O déficit externo brasileiro pode muito bem se aproximar de 2% do PIB em 2010, ficando em torno de US$ 40 bilhões", diz. O Brasil já teve déficits de 7% do PIB para consumir, mal financiados e agravados pela interrupção dos fluxos de financiamento externo no início dos anos 80. Ainda de acordo com Mailson, é preciso considerar que em todas as crises cambiais do passado o regime do câmbio era fixo, portanto difícil de ser ajustado, ao contrário de hoje, quando a taxa é flutuante. "Outro detalhe é que atualmente o Brasil tem inflação baixa e sob controle. Nas crises passadas, a inflação era alta e caracterizada por ampla indexação. Uma maxidesvalorização impregnava o sistema de preços rapidamente e mudava o patamar da inflação. Uma mudança dessa magnitude quebrava muitas empresas e levava guerra às instituições financeiras, agravando a situação de crise e incertezas", comenta o ex-ministro. Há ainda o fato de que, no passado, o Banco Central era "irrelevante" no processo de controle da inflação, não passando de um "agente de fomento ao financiamento das exportações e da agricultura", com atitude passiva no Conselho Monetário Nacional, e agia diante de pressões desenvolvimentistas que significavam expandir crédito além do razoável, ampliar subsídios, elevar o endividamento externo. Por isso, acrescenta o ex-ministro, a crise que desaguava numa maxidesvalorização da moeda nacional produzia vários efeitos colaterais que levava a economia à prostração e no final do processo, mais inflação, menos crescimento e o aumento da inflação reduzia o câmbio real. O fato de o Banco Central ter autonomia para tomar decisões, colocando em primeiro lugar seu compromisso com a estabilidade e confiança "faz toda a diferença", ressalta. "Se houver uma deterioração grave do setor externo, o câmbio se ajustará e isso não se transformará em inflação, pois não há indexação generalizada e o BC está vigilante, assim como uma desvalorização do real nesse novo ambiente se transforma em câmbio real para os exportadores", afirma. Outro dado que beneficia o Brasil é o volume das reservas internacionais, acima do endividamento externo. "O Brasil é credor líquido em matéria de dívida e no passado tínhamos um baixo nível dessas reservas. Outra diferença: agora, pela primeira vez, o Brasil é grau de investimento. É evidente que a preocupação não pode ser o déficit em si mesmo, até porque o País caminha para ser uma economia de US$ 2 trilhões entre 2010 e 2011 e US$ 40 bilhões de déficit em conta corrente equivalerão a apenas 2% do PIB", argumenta Mailson. Apesar da crise do mercado financeiro global, "o Brasil está em uma situação tão nova e confortável que não há o que temer em termos de fugas de capitais", finaliza o ex-ministro. E o déficit está sendo financiado com investimento estrangeiro direto. (Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 9)(L.L.)