Título: O fim das coligações
Autor: Coimbra, Marcos
Fonte: Correio Braziliense, 01/05/2011, Política, p. 4

Sociólogo e Presidente do instituto Vox Populi

Nem todo mundo gostou, mas não há como discordar da lógica da decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito da suplência na Câmara dos Deputados. Por larga maioria (10 x 1), a corte estabeleceu que, quando um deputado se licencia, quem ocupa a vaga é o primeiro suplente da coligação. O que quer dizer que o suplente pode não ser do partido do titular.

Foi a aplicação lógica de uma regra ilógica, cujos dias estão contados. Se há uma coisa com a qual todos concordam é que as coligações partidárias não fazem sentido no sistema proporcional.

Esse consenso é tão amplo que extingui-las é uma das poucas mudanças que devem ser logo implantadas em decorrência do trabalho de reforma política que a Câmara e o Senado estão desenvolvendo. Talvez a única.

Nossa legislação as aceita há tempo. Em sua versão atual, desde 1985, quando a Lei nº 7.454 voltou a admiti-las, alterando o disposto na Lei nº 4.737, de julho de 1965, que as proibira.

Os Códigos Eleitorais editados entre 1932 e 1950 haviam sido unânimes ao aceitar que ¿alianças de partidos¿ registrassem candidatos à Câmara dos Deputados, às Assembleias e às Câmaras Municipais. Ou seja: desde quando adotamos o sistema proporcional ¿ substituindo o voto distrital que esteve em vigor no Império e na República Velha ¿ tivemos a convivência de duas figuras consideradas inconciliáveis na tradição democrática (salvo no interregno de 20 anos em que vigeu a legislação concebida no início do período militar, onde era irrelevante permiti-las, pois tínhamos o bi-partidarismo imposto).

Uma das principais virtudes do sistema proporcional é perdida quando as coligações são toleradas. Se ele é bom por favorecer os partidos, como concordar que lhe seja acoplado um mecanismo que os enfraquece?

No voto proporcional, o resultado eleitoral mais importante é o sufrágio de cada partido. Simplificando, a intenção é garantir que a legenda que recebeu, digamos, 10% dos votos, tenha 10% das cadeiras. Só é relevante a votação individual dos candidatos para definir quais se elegerão na lista. Em casos excepcionais, quando existem grandes ¿puxadores de votos¿, é possível que alguns mal votados sejam eleitos. Isso, ao contrário de invalidar, apenas mostra como o sistema funciona, colocando os partidos em primeiro lugar. A maioria dos eleitos fica em débito com os companheiros, tendo precisado deles para conquistar o mandato.

Pouco disso permanece se os partidos formam coligações, especialmente quando a legislação permite (como a nossa) que sejam ocasionais e locais: aqui, nesta eleição, dois partidos estão juntos; amanhã ou em outro lugar, não. Como querer que o eleitor pense nos partidos se não são eles que disputam?

O paradoxal na decisão do STF sobre a suplência é que o Judiciário tem procurado, nos últimos anos, encorajar e fortalecer a vida partidária, de diversas maneiras. Nessa, fez o oposto, por mais coerente que fosse sua decisão.

Quem acompanhou o trâmite da matéria viu, no entanto, quão errático foi o comportamento dos ministros. Há poucos meses, no fim do ano passado, a maioria entendia que a suplência devia ficar com o partido. Agora, quem achava isso mudou radicalmente de opinião, levando ao placar verificado.

A relatora teve que inventar uma justificativa para seu voto: ¿A coligação é um superpartido, uma superlegenda, que se sobrepõe aos partidos. É a união de esforços, ideologias e projetos¿. Na verdade, não é, na vida real, nada disso, a não ser algo que ¿se sobrepõe aos partidos¿ e, por isso mesmo, indesejável para quem os vê como indispensáveis à vida democrática.

Louve-se, no entanto, o bom-senso do STF de não aumentar a confusão institucional que estamos vivendo. Tendo a Mesa da Câmara dado posse a suplentes aplicando a regra das coligações, foi melhor deixar as coisas como estão, enquanto o Legislativo não se pronuncia em definitivo sobre a questão.

Disso, fica a constatação de quão urgente é a necessidade do Congresso decidir sobre a reforma política. Pelo menos, a respeito do mínimo sobre o qual é possível chegar a algum acordo.