Título: Falta de gás faz subir preço da energia
Autor: Scrivano, Roberta
Fonte: Gazeta Mercantil, 17/09/2008, Infra-Estrutura, p. C7

São Paulo, 17 de Setembro de 2008 - Se colocado em prática, o plano de contingência de gás natural trará efeitos desastrosos para ao preço nacional da energia elétrica e, conseqüentemente, para o bolso de todos consumidores brasileiros de eletricidade. O "plano B" traçado pelo governo federal para um eventual novo corte de fornecimento do produto boliviano prevê a substituição de gás por óleo diesel nas indústrias capacitadas para operar com ambos os combustíveis e ainda o desligamento de termelétricas a gás, mantendo em operação as usinas abastecidas com o óleo . "Ligando térmicas a óleo diesel, mais uma vez o impacto será para o consumidor, já que a geração a partir desse combustível é mais cara, além de mais suja", afirma Ricardo Lima, presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace). A geração térmica a partir do óleo custa em torno de R$ 600 por megawatt-hora (MWh), o dobro do custo da geração de uma termelétrica a gás. Na quinta-feira da semana passada, o Brasil viu o seu fornecimento diário de gás boliviano, de cerca de 31 milhões de metros cúbicos, cair pela metade por um período de seis horas, depois que opositores do governo Evo Morales danificaram as instalações do produto. Por precaução, a Petrobras acionou seu plano de contingência e, para evitar um racionamento de gás, a primeira medida anunciada pela estatal foi a retirada de algumas térmicas a gás da companhia do sistema elétrico. Caso a crise se agravasse, o segundo passo seria o ligamento das chamadas "usinas bicombustívies", que normalmente utilizam o gás natural, mas que também podem operar com o óleo diesel. "A dependência que temos da Bolívia é muito grande. O país vizinho fornece para o Brasil mais da metade do total de gás consumido aqui", diz João Canellas, da consultoria Andrade & Canellas. Leonardo Caio, coordenador do curso de pós-graduação em negócios de petróleo, gás e biocombustíveis da Fundação Instituto de Administração (Fia), afirma que, assim como durante a crise energética de 2001, ano do apagão no País, quem pagará a conta pelo problema do gás é o consumidor. "Não será diferente se essa crise se agravar", comenta o especialista, para completar: "O primeiro custo que será repassado para o consumidor é a substituição do gás pelo óleo diesel, seja na geração elétrica com no refino do petróleo", explica Caio. Conta salgada Só o acionamento de usinas térmicas - que substituem a geração a partir de hidrelétricas - durante os primeiros sete meses deste ano custará aos consumidores brasileiros de energia R$ 1,5 bilhão. Esse valor será rateado entre todas as distribuidoras de energia, via cobertura tarifária pelo encargo setorial denominado Encargo de Serviços do Sistema (ESS) - que tem como atribuição garantir a segurança energética. "Se térmicas a óleo começarem a funcionar agora, o ESS subirá e o consumidor terá de pagar", ressalta Lima, da Abrace. "Se forem ligadas, mais uma vez o ESS vai disparar", ecoa Márcio Sant""ana, diretor da comercializadora Ecom Energia. As termelétricas a óleo e gás foram acionadas durante o fim de 2007 e início de 2008 para suprir a escassez de energia proveniente das hidrelétricas devido ao baixo regime de chuvas. "Se houver pouca chuva no momento em que faltar gás, o País sofrerá novo apagão", diz Giuseppe Bacoccoli, pesquisador da coordenação dos estudos de pós-graduação de petróleo (Coppe) da UFRJ. O presidente da Abrace ressalta ainda a questão logística para entrega de óleo diesel. "Não conhecemos detalhes do plano de contingência da Petrobras. Eles solicitam a troca do gás pelo óleo diesel, mas será que há transporte suficiente para entregar o combustível?", questiona Lima. Ricardo Neuding, diretor da Ativos Técnicos e Ambientais (Ata), ressalta os danos ambientais causados pela geração a óleo diesel. "No Brasil a maior parte da matriz é hidrelétrica e, portanto renovável. A geração térmica é muito mais poluente, sobretudo a por meio do óleo diesel, que emite gases para o efeito estufa", argumenta. Setor produtivo Na lista do plano de contingência, após o corte de gás para as térmicas, está a interrupção do fornecimento do produto ao setor produtivo. "Se houvesse um novo corte do fornecimento, o governo precisaria escolher ente abastecer as térmicas ou a indústria", afirma Canellas. Segundo o presidente da Abrace, um corte na indústria seria "extremamente prejudicial para a competitividade" nacional. "O desequilíbrio no fornecimento pode causar impacto direto na indústria", afirma. No entanto, segundo Lima, como a Petrobras receberá algum ressarcimento da Bolívia, pelo não cumprimento do contrato, a estatal deveria fornecer o óleo diesel para a indústria a um preço equivalente. "Assim não prejudica tanto o setor produtivo", sugere. Leonardo Caio, da Fia, diz que algumas empresas não são "flex", ou seja, que podem funcionar com gás e óleo diesel. "As flex são prejudicadas porque o diesel custa mais que o gás, o que tira a competitividade da unidade fabril", afirma. "Num caso de agravamento da crise, o governo deveria reduzir a carga tributária para compensar os gastos adicionais com combustível", completa. "Erros estratégicos" As indústrias de cerâmica e de vidro, setores que nos últimos dez anos promoveram a troca da matriz energética de diesel para gás natural, também criticam o atual cenário. "Depender de um único parceiro e não desenvolver alternativas são erros estratégicos", afirma Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro). Possível agravamento Apesar de a situação estar aparentemente calma, Bacoccoli, da Coppe/UFRJ, afirma que a crise na Bolívia é constante e tem melhoras e pioras. "Naquele país há profundas diferenças sociais e étnicas, portanto há um racha na sociedade que dificilmente será superado", comenta o especialista. "Estamos nas mãos das manifestações dos bolivianos. Me admiro que os ataques aos gasodutos tenham ocorrido só neste ano", acrescenta o pesquisador, que afirma que "é muito difícil controlar um manifestante". Bacoccoli diz que as ações violentas dos manifestantes ocorrem por "incapacidade do governo boliviano de segurar os opositores". Além disso, o professor critica a falta de planejamento energético brasileiro. "Nós nunca tivemos planejamento e por isso estamos nas mãos do gás boliviano", argumenta. O professor lembra que o gasoduto que liga a Bolívia ao Brasil ficou pronto em 1999 e nessa época sobrava gás natural. Porém, diz, por conta do tipo de contrato firmado com o país vizinho, não era possível negociar a quantidade exportada. Para o professor da universidade do Rio, já em 2001, após o apagão, já era possível saber que faltaria o insumo em 2005. "Desde 2001, o consumo nacional por gás nacional tem subido em 16% ao ano", diz. "O erro foi cometido nesta época. O gás não era para termelétricas", acrescenta. GNL como alternativa O início da operação de regaseificação do gás natural liquefeito (GNL) importado pela Petrobras pode dar um alívio ao consumidores de gás natural no Brasil. "A entrada do GNL ajuda, mas não elimina a dependência brasileira, já que o insumo será importado", diz Bacoccoli. O especialista afirma que é preciso achar gás no Brasil. "Com o pré-sal acredito que a situação do gás natural melhore a partir de 2015". (Gazeta Mercantil/Caderno C - Pág. 7)(Roberta Scrivano)