Título: O medo ainda é real
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Fonte: Correio Braziliense, 03/05/2011, Opinião, p. 10

A morte de Osama bin Laden, referência-mor do terrorismo praticado por radicais islâmicos, é um marco na luta contra o medo, a insentatez de grupos religiosos e até a incompreensível disputa entre civilizações. Talvez não se tenha feito justiça, como festejou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama ¿ nesse caso, parece ter preponderado a lei do talião. No entanto, independentemente das circunstâncias do episódio (Bin Laden foi executado?), o gesto é alvissareiro: por tornar, como frisou Obama, o mundo um pouco melhor, e por mostrar que não há mais abrigo na Terra para símbolos tão definitivos da maldade. Sabe-se que, ao longo dos últimos anos, o efetivo papel de comando de Bin Laden esvaecia-se ¿ não era mais a cabeça da serpente. Continuava, porém, como uma referência sacerdotal importante do jihadismo, a guerra dos muçulmanos contra os inimigos do Islã.

Sua morte certamente irá provocar sobressaltos em todo o planeta. Primeiro, porque já há sucessor a postos: o médico egípcio Ayman Al Zawahri, apontado, por sinal, como ideólogo do saudita. Várias ameaças foram lançadas durante todo o dia de ontem. O Departamento de Estado americano emitiu alerta mundial sobre o risco de violência antiamericana, sugerindo que, devido à incerteza e volatilidade da atual situação, cidadãos americanos devam ficar em casa e evitar aglomerações e protestos. Leon Panetta, chefe da CIA, o serviço secreto norte-americano, disse que é quase certa uma vingança. É crível. Mas, do ponto de vista prático de segurança, há que se refletir bastante antes de qualquer ação, ativa ou reativa. Como se precaver? Fechando ainda mais as fronteiras? Aumentando o rigor nas vistorias em aeroportos? Sufocando ainda mais nações que abrigam criminosos?

O desafio dos Estados nações democraticamente estáveis é aproveitar o instante histórico e tentar asfixiar ainda mais a ideologia da jihad. Para tanto, devem ser aproveitados episódios recentes no Oriente Médio e no norte da África. Os movimentos populares na Síria, na Líbia ou na Tunísia, ao exigir democracia, com a consequente liberdade de expressão, governos decentes e eleições diretas, começaram a derrubar títeres e ditadores e, quiçá, deixam um recado: os dramas do quintal são maiores que os globais.

Por fim, o comportamento das lideranças mundiais pós-morte de Bin Laden tem sido exemplar. Não há euforia demasiada, provocações gratuitas. O presidente norte-americano fez até questão de lembrar que a ¿luta¿ não é contra o islamismo. Por isso, é necessário, neste momento tão delicado, fomentar o diálogo inter-religioso. É crucial que se organizem planos de reconstrução econômica ¿ sabe-se que é notório o agravamento das condições de vida nesses países. A solução para as disfunções dos países islâmicos não passa apenas pela polícia, mas pela política.