Título: O tempo pode tudo
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2011, Política, p. 4

Quem pensa que já viu de tudo nesse Brasil, a cada dia se surpreende mais. E abril que o diga. Desde o massacre de Realengo, que fez brotar lágrimas nos olhos de muitos que ouviam notícias no rádio, até a volta de Delúbio ao PT houve de tudo um pouco no último mês. Ainda bem que Lady Kate e príncipe William nos deram um pouco de glamour.

Afora o enlace real, a semana passada foi campeã em fatos para deixar o brasileiro indignado. Começou com o senador Roberto Requião (PMDB-PR) arrancando um gravador das mãos de um jornalista. E o senador será punido por isso? Não. A não ser por notinhas e comentários de jornais ¿ o bullying, como ele diz. No geral, a turma de Requião achou foi pouco ele só ter tirado o gravador.

Foi o mais grave da semana? Nem¿ Eis que surge madame Débora Guerner aprendendo a ser louca para ludibriar a polícia e a Justiça. E na hora em que aparecem os fotógrafos ela ainda vem botar uma manta sobre o rosto para não ter a cara estampada nos jornais. Engraçado é que, quando escondeu dinheiro no quintal, ela não fez a mesma coisa. Não pensou na vergonha, na execração pública.

Débora Guerner não merece perdão da sociedade. Merece a cadeia. Mas, no Brasil, basta o sujeito passar um tempo quietinho no seu canto, dar tempo ao tempo, que tudo volta ao normal. E olha ele aí: o tempo. Aquele que, como diz a música, adormece as paixões. Aqui, vale dizer que amortece a indignação, apaga tudo. Na sexta-feira, perguntei à senadora Marta Suplicy (PT-SP) o que a havia feito mudar de ideia em relação a Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do partido flagrado na teia do mensalão e reintegrado aos quadros do partido na sexta-feira. Marta, com sua franqueza peculiar, o que aliás é uma raridade no mundo da política, não tergiversou: ¿O tempo¿, respondeu.

O escândalo que envolveu o PT em operações suspeitas veio à tona em 2005. De lá para cá, foram seis anos. Delúbio passou esse período quieto, mudo. Volta e meia ressurgia com uma cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança para dizer que ¿não merecia esse tratamento do partido¿. A mensagem foi entendida pelo comando partidário. O problema era buscar um portal no tempo para devolver a Delúbio a carteirinha do PT sem prejudicar o partido ou o governo, seja Lula ou Dilma.

As razões para o partido aceitar Delúbio de volta suscitaram várias teses, levantadas pelos próprios petistas: a primeira, o reconhecimento pelo PT de que seu ex-tesoureiro não é corrupto e, ainda que tenha feito algo de errado no passado ao ponto de ser expulso, o tempo passou e a punição ¿ a geladeira partidária por seis anos ¿ bastou. Ou pior: há quem diga que houve a rendição do comando petista à chantagem, algo do tipo, ¿se a gente não colocar Delúbio de volta rapidinho, ele abre a boca e aí seguuurra, peão!¿ Essa dúvida ¿ se houve o reconhecimento de que Delúbio não é corrupto e já foi punido o suficiente ¿ ou o PT se rendeu à chantagem permanecerá para sempre na cabeça de muitos, inclusive de petistas presentes à reunião do Diretório Nacional.

Quanto à Justiça, bem¿ O PT não está muito preocupado com isso. Perguntei também à senadora se não seria constrangedor o STF condenar Delúbio no caso do mensalão depois de ele ter sido reintegrado. Ela disse apenas que seria um companheiro enfrentando um processo e que isso teria que ser visto lá na frente. Talvez por causa disso, o site oficial do partido tenha deixado o assunto fora de suas manchetes sobre o Diretório Nacional. O PT aliás quer Delúbio tratado como um assunto menor. E pensar que a ética, há tempos atrás no PT, era espaço para as manchetes.

Essa história de que o tempo apaga tudo é lindo em filme. Mas, na vida real, especialmente, na política, é triste. Deixa a sensação de que basta ficar quieto, caladinho num canto, para o sujeito ser perdoado e voltar como se nada tivesse acontecido. Tudo bem que a igreja invoca o perdão dos pecados. Mas o pecador tem que mostrar que está arrependido, que não pecará mais, e pagar pelos seus erros. Em política, essa reza já passou da conta. É uma seara onde ninguém paga por nada. Delúbio não devolveu um centavo aos cofres do partido. Lá está Renan Calheiros no Conselho de Ética do Senado quase que beatificado. Todos perdoados porque deram um tempo da ribalta, ficaram nos bastidores, quetinhos.

A nós, mortais, só resta esperar e ver o que mais o tempo nos trará de surpresa. Depois do piti de Requião com um repórter, de Renan Calheiros no Conselho de Ética do Senado, da aula de loucura de madame Guerner e de Delúbio reintegrado ao PT, só falta José Roberto Arruda voltar ao GDF¿ Dá um tempo!