Título: O sim da alta Corte
Autor: Abreu, Diego ; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 06/05/2011, Brasil, p. 7

O Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica ao reconhecer ontem a existência da união estável entre companheiros do mesmo sexo. Por unanimidade, os ministros definiram que as uniões homossexuais configuram uma entidade familiar. A partir de agora, em tese, casais gays passarão a ter direitos previdenciários e poderão partilhar bens e herança, assim como fazer declaração conjunta de Imposto de Renda e adotar filhos.

Em plenário, prevaleceu a tese do ministro Carlos Ayres Britto, relator dos dois processos que pediam que as garantias previstas para a união estável entre heterossexuais se estendessem aos relacionamentos homoafetivos. Britto deu nova interpretação ao artigo 226 da Constituição, que se refere à possibilidade de união estável somente entre ¿o homem e a mulher¿.

Em entrevista após a sessão, o relator afirmou que a ¿equiparação vale para todos os fins e efeitos¿. Segundo ele, quando houver resistência por parte de instituições administrativas, o caminho será buscar a Justiça. Enquanto o Congresso não aprovar uma legislação específica sobre o tema, valerá o entendimento do STF. Segundo Cezar Peluso, presidente do Suprema Corte, não foi delimitado como a decisão será aplicada em casos práticos, o que caberá aos parlamentares.

Os processos apreciados pelo STF têm como autores a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB). O julgamento começou na quarta-feira, quando os representantes da PGR e da Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo reconhecimento da união gay.

O jurista Luís Roberto Barroso sustentou que todos os cidadãos têm direito a igual respeito, ainda que representem minorias. Nove advogados de entidades favoráveis e contrárias à legalização da união homoafetiva fizeram sustentação oral. Hugo Cysneiros, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), focou-se em argumentos constitucionais de que a união estável só é possível entre homem e mulher.

Ontem, a análise foi retomada com o voto de Luiz Fux, que lembrou os preceitos constitucionais de que todos são iguais perante a lei. Na sequência, os oito demais ministros presentes também acompanharam o voto do relator. Cármen Lúcia ponderou que ninguém pode ser considerado inferior por fazer uma escolha individual. Já Ricardo Lewandowski afirmou que a união estável entre pessoas do mesmo sexo cria uma nova modalidade de família, que, segundo ele, ¿merece a proteção do Estado¿. Ele declarou, porém, que os diretos dos parceiros gays são menos amplos do que os previstos na união entre homem e mulher, excluindo, por exemplo, o casamento civil homossexual.

Para o ministro Joaquim Barbosa, o Supremo ficou diante de uma ¿situação de descompasso¿, em que o direito não foi capaz de acompanhar as mudanças sociais. Gilmar Mendes concordou, ao avaliar que a Corte ocupou um vácuo deixado pelo Legislativo. ¿Não há nenhuma dúvida aqui de que o tribunal esteja assumindo, ainda que provisoriamente, um caráter de legislador positivo¿, destacou. Marco Aurélio Mello, por sua vez, ressaltou a importância da decisão do STF. ¿Hoje, o povo brasileiro vence a guerra mundial contra o preconceito.¿

Mais fácil A decisão da Corte beneficia pelo menos 60 mil casais gays, contabilizados no último Censo, divulgado na semana passada. Evaldo Amorim e Sérgio Nascimento fazem parte desse contingente. Junto há cinco anos, o casal comemora o resultado do julgamento ao mesmo tempo em que enumera os problemas enfrentados ao longo da vida a dois. ¿Em termos práticos, temos todas as dificuldades imagináveis na hora de fazer um contrato de locação de imóvel, pegar um empréstimo, fazer o seguro de um carro.

São transações em que um casal heterossexual tem descontos e facilidades, mas nós, não. No caso do plano de saúde, por exemplo, tivemos que pagar individualmente, pois não aceitaram fazer o plano familiar¿, destaca Evaldo, 37 anos, formado em letras.

Sérgio, 27 anos, que trabalha como auxiliar administrativo, ressalta ainda os prejuízos emocionais acarretados pelo não reconhecimento da união gay. ¿Você precisa entrar na Justiça para requerer um direito, tem os custos monetários, mas também os custos psicológicos, tudo por não quererem reconhecer um vínculo afetivo e familiar que temos¿, queixa-se. Com a decisão do STF, o casal planeja colocar em prática um sonho alimentado durante anos: trocar o apartamento por uma casa para adotar uma criança.