Título: Barbárie enquartelada
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Fonte: Correio Braziliense, 06/05/2011, Opinião, p. 12

Algumas revelações sobre a atuação da Polícia Militar de Goiás contidas na série ¿Crimes de farda¿, veiculada pelo Correio desde domingo 1º de maio dão ao estado vizinho a condição de extremo atraso nas relações humanas e sociais, como se o passado de sangue e brutalidade de outras eras se restabelecesse em pleno século 21. Entre os números apresentados nas reportagens, o de 117 homicídios entre 2003 e 2005 chama a atenção pelo fato de o Instituto Médico Legal ter concluído que mais da metade dos corpos exibia características de execução ¿ porque as vítimas foram mortas deitadas ou ajoelhadas e com um tiro na cabeça ¿, enquanto o comando da PM, à época, procurava justificar os crimes sob o disfarce de trocas de tiros com bandidos.

Outro aspecto importante é que 3 mil processos contra policiais militares goianos aguardam um desfecho na Auditoria Militar estadual, órgão que ficou sem juiz por 14 anos. Vê-se por essa ausência de autoridade que vem de longa data a cultura da negligência oficial em uma unidade da Federação que procura se modernizar e elevar os indicadores sociais. Não há contradição maior do que o uso da força com distintivos, armas e fardas, com a anuência do próprio Estado, enquanto, a um só tempo, se alardeia crescimento econômico, progresso, redução de miséria e de analfabetismo.

Há que se ressaltar que a maioria dos fatos relatados na série ocorreu antes do início da nova gestão do governador Marconi Perillo. No entanto, a troca de comando da PM e outras providências ainda assim não se configuram medidas de segurança para uma população que teme mais os próprios agentes da lei do que os verdadeiros criminosos. Por essa razão é mais do que necessário que o governo local trabalhe com a ajuda da Polícia Federal ¿ que desenvolve a Operação Sexto Mandamento ¿ e em parceria, também, com o Ministério Público.

A série de reportagens está repleta de histórias de pessoas que não tinham ficha suja na polícia, desapareceram e até hoje são procuradas pelas famílias. Como o caso de Murilo Rodrigues, 12 anos, e de Paulo Sérgio Rodrigues, 22. Eles sumiram, em 2005, a caminho da casa do pai do menor, após terem sido abordados pela PM numa blitz de trânsito. A suspeita da família é de que foram mortos pelos policiais para serem roubados.

Outros relatos mostram que os crimes cometidos por quem deveria proteger a sociedade vão desde a agressão física em abordagens de rotina à execução por queima de arquivo; da tortura ao roubo, passando pelo assassinato sob encomenda. Ainda sobre as providências do atual governo para limpar o estado, os poderes constituídos só poderão recuperar o respeito da população e saudáveis índices de segurança com o fim da barbárie enquartelada, que turva qualquer possibilidade de crescimento social.