Título: Consórcio de imóvel pode sair mais caro que financiamento
Autor: D"angelo, Ana
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2011, Economia, p. 14

Uma proposta de crédito de R$ 120 mil para a compra de imóvel por meio de consórcio, com uma prestação inicial de R$ 934,15, pode parecer vantajosa. Afinal, o mesmo financiamento na Caixa Econômica Federal sai inicialmente por R$ 1.516,47 no primeiro mês, ainda que esse valor decresça ao longo do tempo. Para tornar o negócio mais atraente, o vendedor da cota ainda garante ao adquirente que ele receberá o dinheiro rapidamente, bastando dar um lance ¿ um percentual do crédito pretendido. Mas, à primeira vista, o que surge como um bom negócio pode virar fonte de prejuízo e dor de cabeça.

O principal motivo que torna o consórcio imobiliário um negócio duvidoso até mesmo para os felizardos que são sorteados nos primeiros meses é o fato de as prestações serem corrigidas por um índice de inflação ¿ o mais usado é o INCC-DI, da Fundação Getulio Vargas (FGV), que mede a variação dos custos da construção civil. O saldo devedor da Caixa, por sua vez, é atualizado mensalmente pela Taxa Referencial (TR), muito inferior ao INCC.

Nos últimos 10 anos, o índice dos consórcios subiu quase seis vezes mais que a taxa dos financiamentos. O medidor apurado pela FGV é usado para atualizar o valor da carta de crédito e, assim, acompanhar o mercado, embora não garanta o poder de compra do imóvel pretendido pelo consorciado, pois o INCC reflete o custo médio de construção de imóveis novos, como insumos e mão de obra, e não a valorização dos imóveis prontos.

Sorte Outra desvantagem do consórcio é que quase todos os membros do grupo dependem da sorte para receber o bem rapidamente, podendo permanecer muitos anos pagando prestações por algo que não receberam. Sem contar que as mensalidades embutem valores que não retornam ao bolso, como taxa de administração, fundo de reserva e seguro. Além disso, não contabiliza uma eventual maior valorização do imóvel pretendido.

Cálculos estimados feitos pelo Correio, com auxílio do economista José Dutra Vieira Sobrinho, especialista em matemática financeira, mostram que, por causa da correção pelo INCC, ao fim de 15 anos, o consorciado ¿ mesmo o primeiro contemplado ¿ terá desembolsado cerca de R$ 247 mil para receber carta de crédito de R$ 120 mil. No caso de financiamento da Caixa, o valor pago será menor, em torno de R$ 215 mil. A simulação considerou a correção das prestações com base na média anual do INCC e da TR nos últimos seis anos.

A diferença a favor dos financiamentos bancários ocorre porque, embora seja mais alta inicialmente, a prestação dessa linha de crédito diminui em termos reais ao longo dos anos, além do efeito de uma TR bem menor que o INCC na hora de atualizar o saldo devedor. A carta de crédito de R$ 120 mil do consórcio da Porto Seguro, por exemplo, um dos mais baixos do mercado, só seria mais vantajosa caso não houvesse a atualização do INCC. Nesse caso, custaria, ao fim de 15 anos, R$ 151 mil ¿ de fato, menos que o financiamento bancário, de R$ 191,5 mil (também sem a correção da TR).

Propaganda enganosa A única vantagem que os primeiros consorciados sorteados podem ter em relação ao financiamento é o fato de começar pagando uma prestação menor, embora ela fique maior a cada ano. ¿Para os primeiros contemplados pode até sair um bom negócio, mas para a maioria será de ruim a péssimo¿, avalia Dutra. A seu ver, quanto mais longo o prazo do consórcio, maior o custo para o consorciado.

¿Pode até ser válido para os primeiros sorteados, mas a demora em receber a carta de crédito e a forma de atualização utilizada tiram a vantagem da taxa de administração menor para os demais membros do grupo¿, avalia a superintendente de Assuntos Financeiros da Fundação Procon/SP, Renata Reis. O Procon paulista tem questionado vários procedimentos das administradoras. Um deles é a cobrança de seguro das parcelas remanescentes em caso de quitação antecipada do débito. Outro problema é a propaganda enganosa dos vendedores das cotas, de que o cliente vai receber a carta de crédito imediatamente.

O presidente regional da Associação Brasileira das Administradoras de Consórcio (Abac), Mário Roquette, defende que o consórcio permita o planejamento de uma compra futura, mantendo seu poder de compra, razão da atualização da carta de crédito (e das prestações) pelo INCC. Ele afirma que o consórcio não é o meio de obtenção de um bem de forma imediata, pois o consorciado está sujeito a sorteio, mesmo oferecendo lance ¿ caso do empate dos percentuais ofertados.

Mas o consórcio argumenta que o consórcio estimula a disciplina da poupança para quem não precisa do crédito imediatamente. ¿Ele não se encaixa àqueles que têm renda limitada e pagam aluguel¿, diz. O perfil do participante, lembra ele, é o de um casal que já tem imóvel e pretende comprar outro maior ou do jovem recém-formado que ainda vive com os pais. ¿O consórcio permite a programação¿, afirma.