Título: Al-Qaeda sente golpe
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2011, Mundo, p. 18
Uma entidade quase acéfala, fragmentada em células independentes e autônomas, regida pela versão mais deturpada e cruel do islã. As características da rede terrorista Al-Qaeda estão colocadas à prova desde a madrugada de segunda-feira (hora local), quando os Seals ¿ a força de elite da Marinha norte-americana ¿ dispararam um tiro contra a cabeça de Osama bin Laden, líder e fundador da organização. A bala que matou o homem mais caçado do planeta também deu origem a algumas perguntas. A Al-Qaeda conseguirá processar o golpe e seguir como ameaça ao Ocidente? A rede tem o poder de cometer atentados e retaliar a morte de seu mentor?
O britânico Frank Faulkner, professor de sociologia e de estudos sobre terrorismo da University of Derby (Reino Unido), compara a Al-Qaeda a uma empresa de capital de risco ¿ dotada de franqueados e admiradores espalhados pelo mundo. ¿Creio que a rede já tenha uma estrutura de comando operacional, para a eventualidade de uma decapitação da liderança¿, afirmou a reportagem, por e-mail. Para Faulkner, a capacidade da Al-Qaeda de atacar os norte-americanos e aliados diminuiu significativamente após a descoberta de dados secretos no casarão de Abbottabad onde Bin Laden se escondia. ¿Haverá uma represália mais tarde, assim que a rede encontrar uma brecha para atacar. E ela encontrará¿, concluiu o britânico.
O médico egípcio Ayman Al-Zawahiri, lugar-tenente de Bin Laden e provável novo líder da Al-Qaeda, deverá sofrer uma grande pressão de outros integrantes da rede para cometer outro atentado espetacular contra os Estados Unidos. Magnus Ranstorp ¿ especialista em terrorismo pela Universidade de Defesa Nacional Sueca ¿ acredita que por enquanto a organização criada por Osama só tem condições de retaliar com ataques em menor escala. Ele concorda que o futuro da Al-Qaeda depende das informações encontradas nos computadores apreendidos em Abbottabad. ¿Os agentes operacionais da rede terão que mudar seus procedimentos de segurança. Mas a base permanece a mesma¿, garante.
Do ponto de vista operacional, existe um consenso entre os analistas de que a Al-Qaeda tornou-se muito mais uma ideologia do que uma entidade operacional. Dotada de um comitê militar, um comitê de estudos islâmicos e um comitê jurídico, a organização requer uma estrutura para sobreviver. O alemão Thomas Rid, expert em extremismo pelo King¿s College London, garante: ¿A Al-Qaeda está em apuros¿. Segundo ele, a organização está enfraquecida e desmoralizada por uma série de fatores. ¿Os países árabes enfrentam revoluções internas e a própria rede levou uma surra no Afeganistão¿, lembra. ¿Não bastasse isso, Bin Laden está morto.¿
Fragilidade A guerra ao terror encampada pelos Estados Unidos no Afeganistão e no Paquistão tem frustrado os complôs da rede. ¿A Al-Qaeda está muito fraca agora, vários de seus líderes foram mortos em ataques de aviões não tripulados, outros encontram-se em fuga¿, atesta Abdulhadi Hairan, do Centro para Estudos de Paz e Conflito, em Cabul. O afegão duvida até mesmo da habilidade dos seguidores de Osama de atacarem o Ocidente. ¿Se pudessem atingir um alvo ocidental, teriam feito quando Bin Laden estava vivo¿, afirma. O último grande atentado deflagrado pela Al-Qaeda ocorreu em 7 de julho de 2005, quando quatro homens-bomba se explodiram em um ônibus e no metrô de Londres, matando 52 pessoas e ferindo cerca de 700.
A norte-americana Judith Kipper, diretora do Programa do Oriente Médio no Institute of World Affairs (em Washington), prefere a cautela ao otimismo, após a morte de Bin Laden. Ela sustenta que a Al-Qaeda é uma ideologia e persistirá como uma ameaça, mesmo que indiretamente. ¿A organização está bastante reduzida, mas muitos substitutos de Bin Laden ao redor do mundo continuarão realizando atos de violência. Osama era a figura inspiradora, não a operacional e, por isso, seu desaparecimento surtirá pouco efeito¿, comenta.
Na mensagem divulgada pela Al-Qaeda, anteontem, a rede avisou: ¿O xeque Osama não construiu uma organização para morrer quando ele morresse¿. Um estatuto da Al-Qaeda encontrado pelo Exército dos EUA no Afeganistão ordena que a Shura ¿ o Conselho Consultivo da rede ¿ ¿deve jurar lealdade ao vice-emir e elegê-lo, no caso de o emir ser morto ou capturado¿. Na lista de sucessão, aparecem, depois de Al-Zawahiri, o egípcio Saif Al-Adel e o americano-iemenita An War Al-Aulaqi (veja quadro). Os EUA e seus aliados aproveitaram a operação em Abbottabad para impulsionar a guerra ao terrorismo. Na quinta-feira, um avião espião norte-americano disparou um míssil em uma área no sul do Iêmen, frequentada por Al-Aulaqi. Um oficial do Pentágono revelou à rede de TV CNN que dois assessores do extremista morreram no bombardeio, mas ele teria escapado.
Cinco anos no casarão A mais jovem das três mulheres de Osama bin Laden, encontrada na casa onde um comando americano matou o líder da Al-Qaeda, afirmou aos investigadores que o terrorista viveu escondido no local pelos últimos cinco anos. A informação foi repassada à agência France-Presse por autoridades de segurança paquistanesas. Amal Ahmed Abdulfattah, uma iemenita de 29 anos, foi ferida na perna por tiros disparados pelos soldados americanos que mataram Bin Laden. De acordo com as fontes, a força de elite dos EUA saiu da casa em Abbottabad com Bin Laden e o filho, ¿vivos ou mortos¿.