Título: Além do esperado
Autor: Martins, Victor ; Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 07/05/2011, Economia, p. 14

A inflação superou as piores expectativas do Banco Central e rompeu o teto da meta estabelecida pelo governo no mês passado, o que não ocorria desde julho de 2005. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses atingiu 6,51%. Segundo as projeções do BC, só no fim do primeiro semestre a carestia ficaria acima dos 6,5% estabelecidos como valor máximo do objetivo fixado para este ano. Nas contas da autoridade monetária, o indicador cairia a partir daí, encerrando o ano em 5,6%. Mas a dura realidade, moldada principalmente pela explosão nos preços dos combustíveis e dos alimentos, já leva analistas a estimar que o resultado final ultrapasse o limite de tolerância em 2011.

Paulo Roberto Gonçalves sugere protestos para mostrar insatisfação

A consequência óbvia é a corrosão do poder de compra dos trabalhadores. O maior vilão foi o etanol, que ficou 42,88% mais caro em 12 meses (veja quadro). Em maio do ano passado, era possível encher um tanque com R$ 80 em Brasília. Agora, a conta fica em R$ 114,30. A gasolina também acompanhou a alta e subiu 11,68% no período. Para o analista de sistemas Paulo Roberto Gonçalves, 36 anos, o setor público tem responsabilidade. ¿A única solução seria um protesto com grande adesão, para mostrar ao governo que não estamos satisfeitos¿, sugeriu. O preço do álcool, que tanto incomoda, subiu por causa da redução da oferta no mercado interno. Como o combustível é misturado à gasolina, numa proporção de 25%, o derivado do petróleo também aumentou.

A conta da farmácia também ficou mais elevada. ¿Alguns medicamentos estão muito caros. Quem tem renda menor e precisa gastar com remédio está em uma situação difícil¿, reclamou a contadora Socorro Mendes, 53 anos. Ela afirma que, por causa da escalada da inflação, tem que adiar projetos, como o de pagar a faculdade dos filhos. Os salários da classe média, reclama, acabam sendo consumidos por gêneros de primeira necessidade, como comprimidos e xaropes para tratar da saúde. ¿Ficamos reféns dessas despesas básicas. Do jeito que as coisas estão, não temos saída¿, lamentou.

Com o avanço nos preços, a solução encontrada é pesquisar muito antes de levar qualquer produto para casa. A estudante Ana Paula Bottecchia, 20 anos, tem procurado em diversas lojas e até na internet antes de fechar uma compra. Ela prefere as promoções. ¿Pesquisar é importante. Geralmente, busco roupas em lugares mais baratos, como em feiras. Mas até lá está caro. Uma bolsa que deveria custar R$ 50 está saindo por até oito vezes esse valor. É um absurdo¿, queixou-se. O vestuário foi um dos principais responsáveis pelo avanço do IPCA no mês de abril.

O dobro Em abril, o IPCA ficou num nível elevado, de 0,77% ¿ o número é quase o dobro do considerado aceitável pelo presidente do BC, Alexandre Tombini, para um único mês. Ainda assim, o governo celebrou a leve queda em relação ao 0,79% de março. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi o responsável por dar a resposta oficial ao anúncio feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ¿O IPCA ainda está alto, mas já mostra tendência de queda. Estamos em um momento de inflexão, de mudança de trajetória. O pior momento da inflação já passou¿, minimizou.

Mantega manteve o tom tranquilizador. Para ele, mesmo tendo rompido o teto da meta, a inflação ainda está dentro do aceitável. ¿O que interessa para nós é a inflação de janeiro a dezembro, e ela não vai passar do limite da meta¿, disse. Flávio Serrano, economista do Espírito Santo Investment Bank, avaliou os dados de maneira diferente. ¿A possibilidade é pequena, mas não descartamos totalmente a hipótese de a inflação romper o teto da meta no resultado fechado deste ano¿, observou.

O economista-chefe da Máxima Asset Management, Elson Teles, prefere a cautela. ¿Pudemos observar bons sinais nesse indicador, mas ainda há bastante incerteza no cenário, principalmente quanto à desaceleração do consumo¿, argumentou. Na visão dele, a carestia de abril mostra que o BC errou em sua previsão para a inflação de 12 meses, mas acertou ao projetar um início de desaceleração ¿ cenário que, de certo modo, dá um alívio no combate à carestia. ¿O BC vinha apanhando demais, sendo muito criticado. Agora, há espaço para as perspectivas melhorarem um pouco.¿

As expectativas pioraram oito vezes consecutivas no levantamento semanal que o BC faz com cerca de 100 analistas. A última estimativa para o IPCA de 2011 foi de 6,37%. Até mesmo as perspectivas para o ano que vem já deixaram o centro da meta, de 4,5%. Há pouco mais de um mês elas subiram para 5%.

INPC fica em 0,72% Enquanto a inflação oficial do país disparou e chegou a 3,23% no ano, o custo de vida para as famílias de baixa renda também subiu, mas em ritmo menor. Em abril, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que mede a carestia para pessoas com rendimentos de um a seis salários mínimos, subiu 0,72% ¿ 0,06 ponto percentual acima do resultado de março. O indicador acumula alta de 2,89% no ano e de 6,30% em 12 meses. Para essa parcela da população, os alimentos encareceram 0,63% no mês. Os itens não alimentícios, 0,76%. Entre as cidades mais caras para essa camada social, estão Curitiba (PR), com inflação de 3,81% no acumulado de 2011; São Paulo (SP), com 3,28%; e Fortaleza (CE), com 3,06%.