Título: Prefeitos miram restos de R$ 1,3 bi
Autor: Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2011, Política, p. 2

Os representantes de 4,2 mil municípios começam hoje a sua XIV Marcha dispostos a abrir uma guerra com o governo em quatro frentes: a derrubada do veto sobre a distribuição dos royalties do petróleo; a votação da Emenda 29, que turbina os recursos da Saúde; a retomada dos restos a pagar e a redistribuição do bolo tributário. Sem esperanças quanto à partilha das contribuições que são de arrecadação exclusiva da União, a ideia é centrar fogo nos royalties e nos restos a pagar.

A presidente Dilma Rousseff, preocupada com a aprovação da Emenda 29 sem acréscimo de receita para cumpri-la e com o veto dos royalties, vai marcar presença na abertura do evento, hoje no fim da tarde, e pediu que todos os ministros envolvidos com questões municipais compareçam à marcha.

O governo apresentará aos prefeitos o pacote de projetos do programa de combate à miséria e falará do empenho em reduzir a burocracia dos convênios para acelerar a liberação de recursos. Quanto aos tópicos da pauta, antecipados ontem pelo presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o governo pedirá prazo.

A justificativa é a de que não há recursos para atender a todos os pedidos, em especial a retomada de restos a pagar. Embora tivessem sido separados para pagamento futuro (empenhados), muitos nem sequer tiveram as obras contratadas. ¿Antigamente, o empenho era um compromisso que o governo honrava. Hoje, não vale nada. O governo empenha e depois simplesmente cancela, mesmo quando a prefeitura já gastou com projetos e outros pontos¿, criticou Ziulkoski.

Ele citou ainda problemas com a intermediação de verbas, o superfaturamento e até obras medidas pela Caixa Econômica que simplesmente aparecem no sistema como ¿não processadas¿.

Com tantas questões, especialmente nas obras decorrentes de emendas de deputados e senadores ao Orçamento, a CNM começou a abrir a caixa-preta dos restos a pagar não processados ¿ aqueles que são passíveis de cancelamento pelo Decreto Presidencial nº 7468, de 28 de abril, que prorrogou a validade de parte dos restos a pagar de 2007 a 2009 e todos os de 2010 até o fim de 2011. O pente-fino abrangeu 60,5 mil processos de despesas, que somam R$ 20,3 bilhões. A partir daí, a CNM separou os que foram atingidos pelo decreto e chegou a um total de 22.846 mil processos. Desses, a CNM pesquisou 9.963 em uma semana, o equivalente a quase R$ 3 bilhões.

Mobília O estudo descobriu, por exemplo, que no quesito obras e aquisição de equipamentos, 9,1% não receberam um centavo da União, embora já tenham sido concluídas. A prefeitura de Coronel Vivida (PR) é exemplo. Com base na emenda de um deputado que não se reelegeu, a cidade obteve empenho de R$ 150 mil, em 2009, para equipar o centro cultural do município de 22 mil habitantes. Como o convênio foi processado pela Caixa, ela fica com 2,5% dos recursos, conta o prefeito da cidade, Fernando Gugik. ¿Fiz a licitação, comprei tudo e, na hora de pagar, a Caixa não recebeu o dinheiro do Ministério do Turismo. Resultado, não posso receber o mobiliário porque o município não tem recursos para arcar sozinho com a despesa. E duvido que tudo se resolva até o fim de junho, quando os restos a pagar podem ser cancelados¿, afirma.

Pelo estudo, R$ 1,3 bilhão, praticamente a metade dos restos a pagar que foram avaliados pela amostragem, podem ser cancelados até junho, a maioria no Ministério da Cidades (leia quadro). Em 30 de junho, pelo decreto, todos os restos a pagar de obras não iniciadas, mesmo as já contratadas, serão cancelados. O prefeito de Ibiporã (PR), José Maria Ferreira, teme o prazo. Ele responde a um processo judicial por licitação de 2007 em que a obra foi feita, mas os recursos não foram liberados. A empresa entrou na Justiça para receber. ¿São R$ 195 mil para pavimentação asfáltica. Houve licitação, contrato, a obra foi feita e até hoje não foi paga, apesar da medição e da aceitação pela CEF¿, explica o prefeito.

Convênios Ziulkoski diz que a situação não é isolada. ¿A bagunça nesse setor de convênios do governo federal é tal que os fornecedores nem querem mais contratos. Quando o dinheiro vem de emenda parlamentar, eles ficam desconfiados. Essas transferências voluntárias ficam ao sabor da política. O custo Brasil não tem fim por isso. Se custa R$ 10, o sujeito cobra R$ 20 porque acha que não vai receber ou quando receber o dinheiro não vale mais nada, por isso cobra o dobro¿, diz ele.

Os programas do governo federal que os prefeitos são chamados a aderir representam um capítulo à parte no rol de reclamações. No Saúde da Família, diz Ziulkoski, os municípios são obrigados a cumprir uma série de exigências, mas não recebem o suficiente por isso. ¿A prefeitura tem que ter veículo, prédio, médicos com horário integral, mas o programa é subfinanciado. Acho que os municípios deveriam devolver esses programas para a União e cada um criar o seu, uma vez que não há recursos para atender os da União¿, comenta ele.

Contra o veto de Lula O então presidente Lula vetou, no ano passado, a emenda dos parlamentares que previa a distribuição equânime dos royalties do petróleo entre todos os estados e municípios. A marcha dos prefeitos vai propor a imediata apreciação desse veto na sessão de amanhã, do Congresso. Para as cidades, serão R$ 7 bilhões a mais.

De novo, a CPMF Entre as pendências para aprovação da regulamentação da Emenda 29, que acresce recursos para a área de saúde, está a Contribuição Social da Saúde (CSS), o nome novo concebido para que o governo tente recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), só que com alíquota menor. A marcha rejeita a criação de mais uma contribuição que não seja dividida com os municípios.