Título: Planalto dribla deputados
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2011, Política, p. 5

Submersos no clima de negociações em torno do Código Florestal, os deputados aprovaram, na semana passada, quase que sem perceber, uma medida provisória na qual o governo dribla o Legislativo, reformulando o destino de bilhões de reais previstos no Orçamento de 2010 e referendando, a toque de caixa, uma lista de projetos de lei apresentados ao Congresso no ano passado e que não foi adiante por falta de consenso. Na prática, os parlamentares permitiram que o Executivo tirasse dinheiro das emendas apresentadas por eles mesmos para aplicar diretamente em outros programas.

A aprovação da MP n° 515/2010 na última terça-feira foi decidida durante uma reunião de lideranças marcada para discutir as mudanças na legislação ambiental. Diante das dificuldades em encontrar um acordo para o projeto na pauta, o líder governista, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), propôs que a medida provisória entrasse na pauta para que algo fosse votado naquele dia. A ideia foi aceita rapidamente e as assessorias correram para distribuir o texto da proposta, que destinou R$ 26 bilhões para diversos órgãos do governo e do Judiciário. O resumo na mensagem palaciana dizia apenas tratar-se da concessão de créditos para a ¿Justiça do Trabalho e diversos órgãos do Executivo¿.

No plenário, parte dos líderes se baseou no relatório do deputado Fabio Trad (PMDB-MS) para orientar as bancadas. No texto do relator, no entanto, havia pouca informação sobre a origem do dinheiro e nenhuma referência ao fato de que parte dos remanejamentos feitos pelo Executivo nos programas dos ministérios teriam sido objeto de emendas parlamentares que não foram liberadas. Questionado sobre a possibilidade de a medida representar um drible no Legislativo, o relator foi evasivo. ¿Sei que esse dinheiro virá de recursos contingenciados no ano passado. Eles não iriam ser liberados. Agora, serão destinados a outros programas, diferentes dos previstos inicialmente, ainda que dentro dos mesmos ministérios. Mas se me perguntar se nesse bolo há dinheiro previsto para emendas parlamentares, diria que é possível, sim, mas não fiz esse levantamento meu relatório¿, comenta Trad.

Destino Entre as ações constantemente objeto de emendas parlamentares de peso eleitoral, e que agora passam a ser tocadas pelo Executivo diretamente, estão o deslocamento de R$ 10 milhões para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por meio do Ministério das Cidades e de R$ 1,1 bilhão que a MP tirou da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) ¿ controlada nos estados pelo PMDB ¿ para que o Ministério da Saúde ajude os estados na compra de medicamentos e na estruturação de unidades na Rede Hospitalar. A estimativa de técnicos do Congresso é de que o total de recursos cancelados para serem redistribuídos pelo governo inclui pouco menos de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. Mas o levantamento oficial ainda não foi concluído.

¿Eu chamei a atenção dos colegas para a manobra do governo. Mas as pessoas estavam com muita pressa para aprovar a matéria e não me deram ouvidos. Com essa proposta, o Executivo não apenas mudou o destino do dinheiro que o Congresso tinha aprovado no Orçamento, como impôs sua vontade mais uma vez¿, comentou o líder do PSol, deputado Chico Alencar (RJ).

Em conversa reservada, um ministro explicou o sucesso do governo na estratégia de realocar os recursos sem alarde ou resistências: ¿Isso sempre ocorre. O Executivo pede pelos meios normais, mas o Congresso ignora. A saída é editar uma MP para garantir o dinheiro e depois intensificar as articulações políticas para aprovar a medida. Uma articulação que é mais tranquila, pois os efeitos da MP são imediatos e, quando os parlamentares a votam, parte do crédito já chegou onde se pretendia¿, resume.

Versão oficial A assessoria do Ministério do Planejamento afirmou que a Medida Provisória n° 515 foi editada em 28 de dezembro de 2010 para substituir uma série de projetos de lei de créditos adicionais enviados no decorrer do ano passado ao Congresso e que não tinham sido aprovados no fim da sessão legislativa. Nesse bolo de pedidos feitos e não atendidos, estão, por exemplo, mais de R$ 7 milhões destinados ao Banco Central para pagar o plano de saúde dos funcionários do órgão e R$ 96 mil para quitar débitos judiciais da Secretaria Especial de Direitos Humanos.

Remanejamentos Alguns ajustes feitos pelo governo federal por meio da MP n° 515 cancelaram recursos de ações previstas em emendas parlamentares. Veja algumas delas:

Ministério da Saúde » Cancelou R$ 16,8 milhões previstos para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) investir na melhoria dos sistemas públicos de esgotamentos sanitários nos municípios com menos de R$ 50 mil habitantes. » Destinou R$ 1,1 bilhão para que a pasta invista na compra de medicamentos e na estrutura de hospitais.

Ministério da Ciência e Tecnologia » Cancelou R$ 7,4 milhões destinados ao fomento a pesquisa. » Destinou R$ 19 milhões para bolsas de iniciação a pesquisa.

Ministério da Agricultura » Cancelou R$ 48,6 milhões destinados ao apoio a projetos de desenvolvimento da agricultura. » Destinou R$ 6,4 bilhões para investir nas estatais ligadas à pasta.

Ministério das Cidades » Cancelou R$ 169 milhões previstos para obras de infraestrutura urbana e de esgotamento sanitário nas regiões metropolitanas. » Destinou R$ 10 milhões para obras do PAC em diversos estados brasileiros.