Título: O descalabro dos planos de saúde
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Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2011, Opinião, p. 12

O direito à saúde é garantia constitucional do brasileiro. Assegurá-lo cabe ao Estado. Na prática, contudo, o cidadão sabe que nem a Lei Maior nem os impostos que recolhe lhe dão a certeza de atendimento ao menos satisfatório na rede pública. Diante do desamparo, os menos desafortunados suprem a carência com recursos próprios e fazem um segundo desembolso, dessa vez com a contratação de planos de saúde. Aí descobrem que o preço do bem-estar é ainda mais alto, pois médicos credenciados decidem cobrar taxa extra pelas consultas. A desculpa é que as operadoras não lhes pagam o suficiente.

Lado mais fraco da história, o consumidor se vê preso num círculo vicioso de abusos, em que paga sucessivamente por guarda-chuvas furados, sem encontrar quem o proteja. Esse saco sem fundo precisa ser costurado de forma definitiva. Desde 1999 os planos estão sujeitos a regulamentação pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). É inconcebível que, mais de uma década depois, haja dúvidas quanto a questões essenciais de uma relação de consumo. Remendos, como os aplicados ontem pela Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, via Diário Oficial da União, deveriam ser desnecessários.

São medidas pontuais. Uma proíbe o óbvio: que os médicos deixem de prestar o serviço contratado como fizeram em 7 de abril último. Outra abre processo administrativo para apurar a participação do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e da Federação Nacional dos Médicos no boicote aos planos e na cobrança de adicional para atendimento a pacientes. A última recomenda ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que essas três entidades sejam condenadas por influenciar a categoria a adotar a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos.

Urge expurgar o faz de conta dessa relação, sob todos os aspectos, cara ao consumidor. É imprescindível assegurar a quem contrata plano de saúde a certeza de que os serviços serão prestados da forma contratada. Se uma das partes falha (a administradora, a instituição de saúde ou o médico), a conta não pode sobrar para o contratante. Cumprir deveres não é obrigação apenas do usuário, a quem simplesmente se negará atendimento no caso de estar com alguma mensalidade em aberto. O absurdo pagamento de bônus a profissionais que pedem menos exames aos pacientes, enfim proibido pela ANS no mês passado, é mais do que antiética: é exemplar do descalabro que impera no setor.

Médicos insatisfeitos com a remuneração recebida dos planos de saúde têm a alternativa de requerer o descredenciamento conforme previsto em contrato. Em hipótese alguma lhes pode ser facultado decidir cobrar a diferença do usuário, deixar de atendê-lo ou prestar serviço incompleto. A responsabilidade pela fiel prestação dos benefícios é das administradoras. Cabe ao Poder Público fiscalizá-las com o devido rigor, punindo com igual intensidade as que saírem da linha, sem se esquecer de que a saúde é um direito que a Constituição assegura ao cidadão.