Título: EUA não se desculpam
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 10/05/2011, Mundo, p. 15

Ao ignorar a soberania do Paquistão, matar Osama bin Laden em Abbottabad e ainda acusar o aliado de manter uma rede de apoio ao terrorista, os Estados Unidos se indispuseram com Islamabad. Ainda assim, o presidente Barack Obama está longe de sentir arrependimento pela operação que eliminou o inimigo número 1 do Ocidente.

¿Obviamente, levamos as declarações e as preocupações do governo paquistanês a sério, mas também não pedimos desculpas pela ação que nós tomamos, que o presidente tomou¿, disse Jay Carney, porta-voz da Casa Branca.

¿Em sua mente não havia sombra de dúvida de que ele (Obama) tinha o direito e o dever de fazer isso¿, acrescentou. O secretário de imprensa se referia ao pronunciamento do primeiro-ministro paquistanês, Yousuf Raza Gilani, diante de parlamentares da Assembleia Nacional.

O premiê considerou ¿absurda¿ qualquer acusação de ¿cumplicidade e incompetência¿ lançada contra seu gabinete. ¿O Paquistão não é o berço da Al-Qaeda. Não convidamos Osama bin Laden a vir para cá¿, declarou. Por várias vezes, Gilani usou um tom ameaçador contra os Estados Unidos. De forma sutil e sem citar Washington, o premiê perguntou-se quem foi o ¿responsável pelo nascimento¿ da rede terrorista, na década de 1990. ¿É necessário remontar a comunidade internacional à década de 1990, quando os voluntários árabes se uniram à jihad¿, comentou.

Ele destacou o papel dos EUA em encorajar a guerra santa ¿em nome do islã, como um dever nacional¿. Gilani também advertiu que ações unilaterais ¿ como a realizada pelos norte-americanos em Abbottabad ¿ podem acarretar ¿graves consequências¿ e anunciou a abertura de um inquérito interno. ¿Nós estamos determinados a chegar até o fundo, em saber como, quando e o porquê da presença de Osama bin Laden em Abbottabad¿, disse.

¿A tensão aumentará¿, prevê o analista afegão Abdulhadi Hairan, do Centro para Estudos de Paz e Conflito (em Cabul). ¿O Paquistão sempre culpa os outros por suas próprias falhas¿, criticou, em entrevista ao Correio, pela internet. Apesar de ter anunciado a recusa de Washington em pedir desculpas a Islamabad, Carney ressaltou a importância dos laços entre os governos, até então considerados parceiros na guerra ao terror. ¿Nossa necessidade de cooperação continua sendo muito importante¿, comentou. De acordo com Hairan, os EUA oficialmente tentam transmitir a imagem de uma aliança intacta. No entanto, o afegão diz que as autoridades paquistanesas até agora foram incapazes de explicar como Osama viveu por tanto tempo no ¿quintal¿ de uma academia militar.

No Departamento de Estado, o porta-voz Mark Toner afirmou que a cooperação entre o Paquistão e os EUA trouxe ¿resultados tangíveis¿ por uma década, mas admitiu que os dois lados não se veem sempre ¿olho-no-olho¿. Manter uma relação amistosa com Islamabad era considerado importante para Washington, do ponto de vista de garantir sua estratégia no Afeganistão.

Ante a crise atual, o Pentágono confirmou ontem que possui rotas alternativas ao Paquistão para abastecer suas tropas no país vizinho. ¿Estamos confiantes de que não somos dependentes de qualquer segmento específico individual, e de que podemos continuar com os esforços de abastecer o Afeganistão¿, disse à Reuters o subsecretário de defesa para aquisição de tecnologia e logística do Pentágono, Ashton Carter. Hairan confirma que os EUA podem utilizar a Ásia Central e a Rússia, com quem firmaram um acordo, como opções.

Resgate O governo Obama revelou ontem que ninguém vai receber os US$ 25 milhões de recompensa pela morte de Bin Laden. ¿Que eu saiba, ninguém nos disse: `Viu, Osama bin Laden está aqui em Abbottabad¿¿, ironizou Jay Carney. Segundo ele, a recompensa não é paga a alguém que, acidentalmente, forneça a informação necessária à captura de um terrorista ou criminoso procurado pelos serviços de inteligência.

O Pentágono divulgou no sábado imagens do terrorista Osama bin Laden diante da televisão, no casarão em Abottabbad. O governo dos EUA esperava que o vídeo fosse a prova de que o líder da Al-Qaeda está morto. No entanto, a emissora britânica BBC ouviu 50 moradores da cidade paquistanesa e apenas um deles disse crer que o homem de barbas brancas na imagem é Bin Laden. Um dos entrevistados chegou a reconhecer o próprio vizinho nas imagens. O tabloide The Daily Mail denunciou que a gravação é fruto de uma fraude ¿cuidadosamente fabricada¿ e destinada a expor o terrorista como um homem velho, ocioso e com fixação em se ver na TV.