Título: Os próximos capítulos
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 12/05/2011, Política, p. 4

O governo Dilma Rousseff largou com maiorias confortáveis na Câmara dos Deputados e no Senado, e a situação melhorou quando o PSD desgarrou do Democratas rumo à independência. Era a senha para a liquidação da resistência à hegemonia absoluta do Planalto.

E pareceu melhorar mais quando as dificuldades internas do PSDB evidenciaram o potencial de paralisia no maior partido de oposição, às voltas ele próprio com dificuldades nas composições regionais para a renovação das direções partidárias. E, principalmente, na composição nacional.

Escrevi outro dia que a oposição não nasce nos Legislativos, mas na sociedade. E que se o político cruza a fronteira não carrega automaticamente com ele os eleitores. Há certa tendência a considerar que o eleitor pertence ao eleito, mas é um equívoco. É mais o contrário.

É razoável considerar que a divisão social e política expressa nas urnas continua existindo. Há as pesquisas, mas seria pouco inteligente olhá-las como religião. Ano passado mesmo, a candidata de um presidente com 85% de bom e ótimo teve que amargar um segundo turno e nele viu a oposição levar 44% do eleitorado.

Espaço para a política sempre há, como mostra o debate sobre o Código Florestal. Aliás, com a anemia da oposição, a polaridade tende a procurar caminhos na base do governo. Se não há ameaça externa tão ameaçadora assim, não há tampouco razão maior para coesão absoluta no governismo.

]Um sintoma viu-se na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, onde governistas e oposicionistas convergiram para limitar a ação do governo nas medidas provisórias (MPs).

O pedaço mais drástico da proposta do senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi removido, será mantida a vigência automática das MPs, mas abriu-se um espaço de contenção dos movimentos discricionários do Executivo. Uma boa medida foi propor vetar que MPs tratem cada uma de mais de um assunto.

E assim segue o comboio. E seguirá. O governo pode desejar a paz dos cemitérios no Congresso Nacional, mas a vida segue. E costuma ser mais forte.

Aguardam-se os próximos capítulos.

Receita

Um drama do governo no debate do Código Florestal são os compromissos assumidos pela então candidatura governista com o PV de Marina Silva no segundo turno da disputa presidencial.

Outro motivo de preocupação é a imagem externa do país, exatamente na ocasião em que o Brasil prepara um grande encontro global para marcar os 20 anos da Rio-92.

Acordos são para serem cumpridos, mas só devem ser propostos se houver condição de cumprir. Ou não?

Mas é preciso fazer justiça. O governo Dilma ficou com o abacaxi de desbastar a floresta legal ambiental herdada de outros governos. E não apenas do governo anterior petista. A construção vem de longe.

E a raiz da construção é bem conhecida: governos e políticos ilhados em Brasília, marcados pelo completo desconhecimento da realidade nacional. Mais preocupados com o que se pensa do Brasil lá fora. É a receita do problema.

Piada

A Síria abriu mão de participar do organismo da ONU responsável por cuidar dos direitos humanos. Por motivos óbvios. Antes, a Líbia já fora excluída, por razões tornadas igualmente óbvias ao longo do levante contra Muamar Kadafi. Ao longo de anos, a participação de países com essas características num fórum supostamente encarregado de cuidar de direitos humanos foi recebida como natural, inclusive com o endosso do Itamaraty. Uma visão que só agora, diante das revoluções árabes e da brutal repressão que enfrentam, passa a ser questionada. A ONU funciona assim mesmo. Quem tem a decide quem são os mocinhos, e os bandidos. Sinceramente, não dá para levar a sério.

Bagunça

Já passou da hora de alguém ¿ pode ser até a própria ministra ¿ colocar ordem na bagunça do Ministério da Cultura.