Título: A burocracia do câncer
Autor: Álvares, Débora
Fonte: Correio Braziliense, 12/05/2011, Brasil, p. 12

Demora, falta de médicos e burocracia. Mais que problemas recorrentes para a população, são transtornos reconhecidos pelo Ministério da Saúde quando o assunto é a assistência a pacientes com câncer. Em audiência pública na Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal, a representante do órgão, Maria Inês Gadelha, além de assumir as dificuldades enfrentadas por quem necessita do Sistema Único de Saúde (SUS), chamou de contraditória a forma de repasse a conveniados ao programa. ¿Os prestadores privados fazem seleção por procedimento, tipos de câncer, doente. Temos que discutir essa forma de pagamento que se resume à tabela¿, avaliou a coordenadora de Média e Alta Complexidade da Secretaria de Atenção à Saúde do ministério. Ela admitiu ainda não haver controle dos procedimentos médicos, o que possibilita esse tipo de ação. ¿Não conseguimos controlar as prescrições, as condutas hospitalares, o que nos atrapalha.¿

Os problemas reconhecidos pelo ministério foram amplamente discutidos ontem. Participaram do debate entidades sociais, como a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e o Instituto Oncoguia, que reclamam e pedem a criação de leis que forneçam melhores condições de atendimento; representantes do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e da Agência Nacional de Saúde (ANS), favoráveis às queixas das instituições. ¿A composição do SUS cria dificuldades. É preciso que o Senado discuta os desafios enfrentados na implementação da política pública oncológica¿, ressaltou a representante do Inca, Rosa Amélia da Cunha.

A burocracia do sistema, uma das reclamações mais recorrentes, foi explicada por Maria Inês, do Ministério da Saúde, como uma consequência dos diversos níveis de assistência pelos quais os pacientes precisam passar a partir do momento em que são diagnosticados com câncer. ¿Da assistência primária, quase toda pública, o paciente é encaminhado para a realização de exames e, em seguida, para o tratamento. Como grande parte das assistências secundária e terciária (45% e quase 100%, respectivamente) são realizadas por agentes não públicos, fica difícil que o gestor controle o atendimento.¿

Vítimas de falhas O diagnóstico de câncer de mama pegou de surpresa a família de Fernanda*, 62 anos, moradora de Manga ¿ cidade mineira a 711km de Belo Horizonte e 1.019km de Brasília. A dona de casa já tinha ouvido falar da doença, mas nunca havia conhecido ninguém que a tivesse. Desde então, a vida da senhora mudou drasticamente. A filha, que veio buscar emprego na capital federal e deixou a casa onde a família mora, agendou os atendimentos inicialmente em um hospital particular, que encaminhou a paciente para realizar uma cirurgia no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) ¿ onde funciona, segundo a Secretaria de Saúde do DF, o Centro de Alta Complexidade em Oncologia, responsável por exames, cirurgias, quimioterapia, radioterapia e acompanhamento oncológico. ¿Eles marcaram o procedimento para novembro, mas depois remarcaram para janeiro¿, contou. De lá para cá, se passaram quatro anos de acompanhamento, espera e chateações. ¿Nunca consigo agendar os exames que o médico pede para uma data anterior ao exame¿, reclama.

A mesma situação é vivida por Carla*, que há 13 anos precisou retirar a mama esquerda e, desde então, segue em acompanhamento no HBDF. ¿Tive que fazer a mamografia novamente em uma clínica particular¿, reclama. Para a paciente, que se submeteu a cirurgia, a radio e a quimioterapia, e recebeu remédios pelo SUS durante os cinco primeiros anos após o procedimento cirúrgico, a situação atual é caótica. ¿Deveria ter retornado em janeiro, mas só agora, em maio, consegui vir fazer a revisão.¿

*As personagens não quiseram se identificar