Título: Vozes caladas à bala
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 12/05/2011, Mundo, p. 26

Os tanques entraram atirando no bairro de Bab Amr, em Homs, cidade a oeste de Damasco. Mona (nome fictício) acordou às 5h de ontem com a sensação de que a quarta-feira seria sangrenta. ¿Escutei explosões que duraram até cerca de 8h. Às 10h, fui para a universidade.

Enquanto franco-atiradores se posicionavam sobre as casas, os soldados e os shabeeha (agentes da inteligência) invadiam as residências, roubavam o dinheiro dos moradores e destruíam objetos¿, relatou a professora síria ao Correio, sob a condição de anonimato.

¿Quando eu estava perto da universidade, começou um tiroteio a partir do telhado. Corri para a parede e ali fiquei por uns 20 minutos, foi horrível¿, acrescentou. Por volta das 17h (hora de Brasília), Mona interrompeu a entrevista com as seguintes palavras: ¿Os tiroteios começaram! Outra explosão agora!¿. De acordo com o sírio Ammar Qurabi, presidente da Organização Nacional dos Direitos Humanos, cinco pessoas foram assassinadas na cidade.

A cerca de 2,1 mil quilômetros de Homs, o estudante de economia Ala¿a Jarban, de 21 anos, participou de um protesto em Sanaa, capital do Iêmen. ¿Marchávamos em direção ao gabinete do primeiro-ministro Ali Mohammed Megawar, quando forças de segurança nos atacaram com armas pesadas e munição real¿, relatou à reportagem. O iemenita acusou o governo de usar agentes à paisana em uma armadilha contra os manifestantes.

¿Eles atiraram contra nós a partir de ruas e de prédios, sequestraram mulheres e ativistas¿, denunciou Ala¿a, que não teme divulgar o nome. Ele contou ter visto Ibrahim Ahmed Saif, um dos opositores ao governo, morrer no hospital de campanha, após ser baleado. O ato político contou com a presença de várias mulheres, que prepararam flores brancas para entregá-las aos soldados. A agência de notícias Reuters informou que seis pessoas morreram e mais de 100 ficaram feridas.

Em Taez, 250km ao sul, dois manifestantes também foram executados pelas tropas. ¿Nós começamos a marchar de forma pacífica. De repente, elas atiraram contra nós e balearam dois homens na cabeça¿, disse outro ativista. Por telefone, o médico iemenita Abdulrahim Al-Samee confirmou ao Correio que um manifestante morreu em Taez e dois foram diagnosticados com morte cerebral. ¿Outras 47 pessoas ficaram feridas e 150 sofreram sufocamento por gás lacrimogêneo ou por gás venenosa¿, explicou. De acordo com o funcionário do hospital de campanha, a marcha ocorreu na Rua Jamal. ¿Os opositores a Saleh pretendiam fechar alguns escritórios do governo e atearam fogo a uma delegacia¿, afirmou. Na cidade portuária de Hudaida, às margens do Mar Vermelho, um manifestante também foi assassinado.

Milhares de sírios e iemenitas exigem a destituição dos presidentes Bashar Al-Assad e Ali Abdullah Saleh, respectivamente. Com as 28 mortes de ontem ¿ 19 na Síria e nove no Iêmen ¿, a pressão internacional por reformas políticas ou mesmo pela troca do governo deve aumentar nos próximos dias. Além dos cinco mortos em Homs, tanques sírios destruíram casas em Al-Harra, a oeste da cidade de Deraa, matando 11 moradores.

Outras duas pessoas foram atingidas por franco-atiradores. Em Jassem, subúrbio de Deraa, uma pessoa acabou morta. Desde março passado, a violenta repressão do regime de Al-Assad custou 776 vidas, de acordo com a Organização Nacional dos Direitos Humanos. O número de opositores presos passa de 9 mil. Segundo a rede de TV CNN, muitos sírios tentam fugir em direção ao Líbano. ¿Eu prefiro viver pobre e como refugiado no Líbano, com meus seis filhos e minha mulher, a assassinar inocentes na Síria¿, declarou à emissora um desertor do exército, que tentava atravessar a fronteira com a família.

A agência estatal de notícias Syrian Arab News Agency (Sana) admitiu ontem que as forças de segurança acionaram sua ¿luta contra grupos terroristas¿ em Homs e em Deraa. O governo também informou que dois soldados morreram e cinco tiveram ferimentos nos supostos combates. Ainda segundo a Sana, o premiê Adel Safar anunciou a criação de uma comissão responsável por redigir uma nova lei eleitoral que respeite ¿os critérios internacionais¿. ¿A comissão precisará terminar seus trabalhos nas poróximas duas semanas¿, acrescentou a agência. No campo diplomático, a Síria retirou oficialmente ontem a candidatura para ocupar uma vaga no Conselho de Direitos Humanos da ONU. O posto foi ocupado pelo Kuweit.

Jornalista da Al-Jazeera é expulsa para o Irã A jornalista Dorothy Parvez, da rede de TV Al-Jazeera, desaparecida na Síria no fim de abril, foi extraditada para o Irã em 1º de maio, indicou a embaixada da Síria em Washington. De acordo com a representação diplomática, Parvez ¿ que tem cidadanias americana, canadense e iraniana ¿ ¿tentou entrar ilegalmente na Síria¿ em 29 de abril com um visto de turista e um passaporte iraniano fora da validade. Dois dias depois, ela foi ¿extraditada, de acordo com a lei internacional, para o país do qual apresentou o passaporte¿. A Síria considerou ¿lamentável que uma jornalista trabalhando para uma rede de notícias internacional tão renomada como a Al-Jazeera tente entrar em um país de forma ilegal¿.