Título: Justiça referenda a união entre gays
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 12/05/2011, Cidades, p. 36

Uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) estender a possibilidade de união estável para casais homossexuais, o entendimento continua causando impacto na sociedade e repercutindo nos mais diversos setores da sociedade. Os ministros do Supremo dizem que já estavam preparados para o tamanho reflexo ocasionado pelo posicionamento da Corte. Carlos Ayres Britto, relator do processo que resultou na histórica decisão, afirmou ontem ao Correio que a Suprema Corte tem a exata noção da dimensão do entendimento firmado na semana passada.

Procurado pela reportagem, Ayres Britto disse que a imensa repercussão sobre o tema já era esperada pelos ministros, antes mesmo do término do julgamento. ¿Tudo isso é esperado. No início, a gente estranha, mas depois a gente se acostuma¿, afirmou. Segundo o relator, daqui para frente será uma situação comum se deparar com casais gays pleiteando direitos até então reconhecidos somente para heterossexuais.

¿Virão casais homossexuais para se habilitar a concorrer para adotar uma criança, irão postular visita íntima nos presídios. Haverá também pessoas do mesmo sexo indo aos bancos para pedir financiamento de casa própria. Outros pedindo a declaração conjunta de Imposto de Renda. Já esperávamos toda essa repercussão. Aliás, foi para isso mesmo que decidimos dessa forma. Se tirássemos deles (casais gays) as consequências da decisão, o que sobraria seria a relação física, o que eles já têm¿, observou o ministro.

No último dia 5, os ministros do STF decidiram por 10 votos a zero que companheiros homossexuais podem formar uma entidade familiar. Em seu extenso voto, proferido um dia antes, quando o julgamento foi iniciado, Ayres Britto ressaltou a importância de a sociedade afastar o preconceito. Segundo o ministro, a ¿equiparação vale para todos os fins e efeitos¿, portanto , não pode ser privilégio de alguns .

De acordo com o ministro Marco Aurélio Mello, que também se posicionou favorável à união homoafetiva, os demais tribunais, órgãos administrativos e também os cartórios estão obrigados a cumprir o entendimento do STF. ¿Decisão do Supremo é para se cumprir. Todas as regras válidas para casais heterossexuais agora são aplicáveis também aos parceiros homossexuais¿, alertou.

Partilha Com base na decisão do STF que garante todos os direitos civis a casais homossexuais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou ontem, pela primeira vez, o precedente firmado pelo Supremo, ao conceder o direito a partilha a um homem que se separou do companheiro com quem viveu por 11 anos. Por maioria de votos, a Segunda Seção do STJ concluiu que as regras do direito da família podem ser aplicadas a casais homossexuais. No caso em questão, os patrimônios do casal estavam registrados no nome de apenas um deles. Após a separação, a parte que se sentiu prejudicada foi à Justiça. O homem, cujo nome não foi identificado por questão de sigilo, ganhou em primeira instância, na Vara de Família do Rio Grande do Sul, o direito à pensão alimentícia e também à partilha do patrimônio do casal.

Já o Tribunal de Justiça gaúcho manteve o entendimento referente à divisão patrimonial, mas retirou a pensão alimentícia. No recurso protocolado no STJ, o homem que ficou com os patrimônios buscava reverter a decisão que definiu a divisão dos bens, sob a alegação de que o caso não poderia ter sido julgado por uma vara de família.

Primeira a votar, ainda em fevereiro, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, posicionou-se pelo reconhecimento de que há união estável entre casais homossexuais. ¿O direito aos bens é de ambos, mesmo que registrado unicamente em nome de apenas um dos parceiros¿, disse, na ocasião. Acompanharam o voto da relatora os ministros João Otavio Noronha, Luiz Felipe Salomão e Aldir Passarinho Junior, enquanto Sindnei Benetti e Vasco Della Giustina foram contra.

Na retomada do julgamento, ontem, o ministro Raul Araújo, que havia pedido vista do processo, seguiu o voto da relatora, alertando para o caráter vinculante do entendimento firmado na última quinta-feira pelo STF. Também seguiram o voto favorável aos casais gays os ministros Isabel Gallotti e Sidnei Beneti. Assim, o STJ manteve o posicionamento da Justiça gaúcha. ¿A negação aos casais homossexuais dos efeitos inerentes ao reconhecimento da união estável impossibilita a realização de dois dos objetivos fundamentais de nossa ordem jurídica, que é a erradicação da marginalização e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação¿, disse a ministra do STJ Nancy Andrighi.