Título: Brasil retalia Argentina
Autor: Mainenti, Mariana
Fonte: Correio Braziliense, 13/05/2011, Economia, p. 10

O Ministério do Desenvolvimento (Mdic) impôs barreiras contra as importações de carros, de autopeças e de pneus. Com a medida, o governo brasileiro mata dois coelhos com uma só cajadada. Primeiro, retalia o principal exportador de veículos para o Brasil, a Argentina, que vem retendo produtos brasileiros em seus portos. De quebra, contém a enxurrada de importações de automóveis ¿ especialmente, da Ásia ¿, que vêm sendo incentivadas pela valorização do real em relação ao dólar. Em abril de 2011, a entrada de carros no país cresceu 80,3%, pela média diária, em relação ao mesmo mês de 2010. Nos quatro primeiros meses do ano, avançou 50%. Agora, em vez de os registros das operações serem liberados automaticamente, terão de passar pelo crivo do ministério (licenciamento não automático).

Embora o principal alvo seja a Argentina, a salvaguarda foi estendida a todos os países, para que não fosse considerada discriminatória pela legislação internacional. No entanto, empresários e diplomatas de países como Estados Unidos, México, Coreia do Sul, Japão ¿ e até a China, da qual Dilma está enamorada desde a visita a Pequim ¿ estão preferindo aguardar o andamento da aplicação da medida pelo Brasil, para verificar se, de fato, também serão prejudicados. Até ontem, a Associação Brasileira das Empresas Importadoras de Veículos Automotores (Abeiva) constatou apenas a retenção de veículos argentinos nos portos brasileiros. Automóveis de outros países estariam entrando normalmente no país, sem ter que passar pelo licenciamento não automático.

A partir de agora, cada operação será avaliada e a licença, liberada ¿ ou não ¿ em um prazo de 60 dias. Até hoje, essa medida só foi aplicada a setores em que houve acusação de dumping (prática de preços abaixo dos cobrados pelo mercado) por parte de empresas nacionais. Normalmente, o licenciamento não automático é uma forma de o governo fazer um monitoramento dos casos enquanto verifica se as denúncias procedem.

Desta vez, a intenção do Mdic é punir o governo de Cristina Kirchner e proteger a indústria nacional e a balança comercial do país. Se for necessário frear as importações para evitar um deficit comercial, o ministério pode demorar mais a fornecer as licenças ¿ ou nem concedê-las. Para o consumidor, isso significa, na prática, que haverá menor oferta de veículos de fora no mercado brasileiro. Muitas montadoras produzem em território nacional apenas determinados modelos e, em muitos casos, trabalham com a venda de importados.

A medida adotada ontem é um duro golpe ao governo de Kirchner, que tem nos automóveis quase 40% de sua pauta de exportações ao Brasil. Mas a administração de Dilma Rousseff pode ir além e suspender as negociações sobre investimentos brasileiros na Argentina e apresentar um recurso à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Já eram esperadas medidas de retaliação ao governo argentino, que não cumpriu o prazo de 60 dias, encerrado na semana passada, para liberar cerca de 200 produtos que perderam o direito à licença automática para entrar no país. Antes disso, foram prejudicadas as indústrias brasileiras produtoras de massas, balas e chocolates, que tiveram contratos cancelados devido à lentidão no processo de autorização sanitária. Em um comunicado, a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, criticou a decisão do Brasil, que segundo ela, ¿atentar contra o diálogo natural¿ dos dois sócios comerciais