Título: Acusação de impacto global
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Fonte: Correio Braziliense, 16/05/2011, Mundo, p. 13

Em apenas um fim de semana, a vida de Dominique Strauss-Kahn sofreu uma reviravolta incrível. De diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) e provável candidato à Presidência de seu país, com boas chances de vitória, o francês de 62 anos passou a preso e suspeito de agressão sexual, cárcere privado e tentativa de estupro. O brilhante economista, conhecido por salvar o FMI de uma crise que parecia afundar de vez a instituição, foi detido no sábado, no Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York. Sua vítima seria uma camareira de 32 anos que trabalha no hotel Sofitel, no coração de Manhattan. Ontem, ele foi acusado formalmente e substituído no fundo pelo americano John Lipsky.

Independentemente se vai ser condenado ou não ¿ a pena pode chegar a 20 anos de prisão ¿, o episódio significa um duro golpe para a cena política francesa, abalando, particularmente, o Partido Socialista (PS), que perdeu seu mais provável candidato às eleições presidenciais de 2012. Há algum tempo, circulava a informação de que Strauss-Kahn largaria o cargo no FMI para concorrer contra o atual dirigente do país, Nicolas Sarkozy, que agora tem um caminho bem mais fácil rumo à reeleição. DSK, como o economista é conhecido na França, era apontado como favorito ao pleito nas pesquisas de opinião.

¿Ele não pode ser candidato à primária¿, afirmou, em referência ao processo do PS marcado para outubro, o escritor Jacques Attali, ex-assessor do falecido presidente François Mitterrand. ¿Definitivamente, ele está desacreditado. O caso marca o fim de sua campanha para a Presidência¿, disse à televisão francesa a conservadora Marine Le Pen, da Frente Nacional, também pré-candidata às eleições presidenciais. Ela aproveitou para dizer, sem citar fontes, que ¿circulam em Paris comentários sobre as relações ligeiramente patológicas que Strauss-Kahn parece ter com as mulheres¿, uma referência à acusação de abuso de poder que o socialista enfrentou em 2008 (leia perfil). Em declaração às emissoras de tevê, o parlamentar Bernard Debré, do partido de Sarkozy, disse que a prisão era ¿uma humilhação e uma afronta à honra da França¿. ¿Todo mundo dirá agora: `Olha o que os franceses fazem¿. A carreira política do senhor Strauss-Kahn deve ser finalizada¿, decretou.

Versão da vítima A funcionária do Sofitel afirma que o economista saiu nu do banheiro quando ela trabalhava e a agrediu. Segundo seu relato, publicado pela imprensa americana, a mulher entrou no quarto acreditando que estava desocupado. Mas, quando estava limpando o local, Strauss-Kahn saiu do banheiro e tentou estuprá-la, contou o The New York Times, citando o subcomissário de polícia de Nova York, Paul Browne.

Segundo a camareira, o francês a agarrou, a jogou na cama e trancou a porta. A mulher disse que conseguiu correr, mas Strauss-Khan a pegou novamente e a levou para o banheiro. De acordo com o canal MSNBC, ele obrigou a vítima a praticar sexo oral e tentou arrancar as roupas íntimas dela. Mas a mulher conseguiu escapar e fugiu do quarto. Em seguida, alertou os outros funcionários do hotel, que ligaram para o serviço de emergência policial 911.

Segundo fontes policiais, Strauss-Kahn deixou o hotel de maneira precipitada e esqueceu o telefone celular e outros objetos pessoais. Ele foi detido momentos depois, no aeroporto, quando já estava a bordo de um avião da Air France, que voaria para a Europa. Até o fechamento desta edição, o réu continuava detido. Ontem, o hotel divulgou nota na qual dizia que a suposta vítima é uma ¿boa funcionária¿.

Presunção de inocência Segundo um de seus advogados, Benjamin Brafman, Strauss-Kahn negará as acusações na Justiça. Entre os socialistas franceses, o clima era de perplexidade e cautela. ¿Como todos, estou chocada¿, afirmou a primeira-secretária do PS, Martine Aubry, que pediu a ¿união¿ do partido para o processo de primárias. A ex-candidata à Presidência de 2007 Ségolène Royal também disse estar ¿chocada¿ com a notícia, mas pediu que respeitassem a ¿presunção de inocência de DSK¿. ¿Temos que evitar qualquer conclusão precipitada¿, destacou o líder do PS, François Hollande, que, com a saída de Strauss-Kahn, tem maiores chances de ser o candidato do partido. O governo francês também pediu ¿prudência¿, por meio do porta-voz François Baroin, segundo o qual Paris ¿respeita dois princípios simples: o processo judicial em andamento nos EUA (...) e o respeito à presunção de inocência¿. ¿Não julgaremos antes de saber¿, afirmou o ex-socialista Jean Luc Melencohn.

Os amigos e companheiros de partido de Strauss-Kahn garantem que as acusações não condizem com o caráter do economista. ¿Isso não pode ser obra de DSK¿, afirmou o deputado socialista Jean Marie Le Guen, um dos dirigentes mais próximos do diretor do FMI. A mesma opinião tem o biógrafo dele, Michael Tonman. ¿Isso não corresponde ao seu comportamento¿, disse o autor de Le Romain Vrai de DSK (O verdadeiro romance de DSK). A mulher de Strauss-Kahn, Anne Sinclair, divulgou uma nota à imprensa dizendo que confia no marido. ¿Eu não acredito nem por um segundo nas acusações. Não tenho dúvidas de que sua inocência será provada. Peço cautela e decência.¿