Título: Seja feita a vossa vontade
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2011, Política, p. 2

A presidente Dilma Rousseff tem conseguido influenciar diretamente as votações na Câmara, onde mais de 72% do que foi votado no plenário resultou da imposição feita pelo Executivo. O saldo favorável ao governo, no entanto, não tem sido interpretado pelos parlamentares que obedecem às ordens palacianas como uma demonstração de força presidencial, mas como o resultado de manobras políticas, ameaças de cortes de emendas e de cancelamento de recursos prometidos em anos anteriores. Independentemente dos argumentos usados para justificar o sucesso das intenções governistas, a transformação do Legislativo em um cumpridor de orientações tem irritado deputados, inclusive integrantes da base. ¿É preciso entender que somos um outro poder. Devemos ter autonomia e pautas próprias. Mas se a maioria do parlamento se posiciona em uma direção, ela prevalece. Não há como brigar com essa regra¿, desabafou o presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS).

Apesar das reclamações e das ameaças feitas pelos parlamentares de que pode haver um motim contra o Executivo, os números deste início de gestão da nova presidente mostram que não tem sido difícil para ela passar como um trator em cima do Legislativo. O saldo de votações deste ano mostra que das 50 matérias votadas em plenário até ontem, 36 foram de iniciativa do Executivo, apenas quatro propostas por deputados federais e o restante veio do Senado ou de outros Poderes. ¿Estamos na dúvida sobre quando o Legislativo vai começar a ter pauta própria e parar de apenas obedecer às ordens do governo. O resultado das votações até agora mostra uma total subserviência. Esperamos que isso mude¿, critica o líder do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto (BA).

MPs Este ano, 16 medidas provisórias foram aprovadas sem dificuldades. Três delas abrem créditos extraordinários para ministérios, relocando parte dos recursos previstos em emendas apresentadas pelos próprios parlamentares. O governo também conseguiu aprovar o novo valor do salário minímo, capitalizar a Petrobras e o Banco Nacional de Desenvolvimento, além de conseguir apoio para o polêmico Trem de Alta Velocidade (veja quadro ao lado).

Os métodos usados pelo governo para ¿convencer¿ parlamentares a seguir suas orientações têm deixado em situação confortável o líder governista, Cândido Vaccarezza (PT-SP). Antes das votações, o petista muitas vezes precisa reformular as declarações que dá à imprensa alegando que sua análise sobre a expectativa de aprovação das matérias ¿pode parecer arrogante¿. Na última quinta-feira, Vacarezza anunciou que vai romper um acordo que fez com os líderes de somente pautar matérias depois da votação do Código Florestal. ¿Estou rompendo mesmo porque queremos votar a medida provisória que trata das licitações¿, declarou.

A conduta dos governistas se baseia principalmente em dois fatores que são o combustível para o funcionamento do Congresso: a distribuição de cargos em órgãos do Executivo e a liberação de recursos para estados e municípios por meio de emendas parlamentares. Para conseguir o saldo favorável aos planos palacianos, a tropa de choque de Dilma tem jogado bem com as duas coisas. O Planalto deixou para distribuir os cargos de segundo escalão de forma tão lenta que as especulações caducam facilmente. Ao mesmo tempo, a ameaça de cortes no Orçamento e o cancelamento de emendas deixam todo mundo disposto a mostrar serviço. O temor de ir parar na lista negra do governo faz surgir cenários e reações inesperadas. O líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), coloca seus liderados para obedecer às orientações do Planalto, mas tem criticado constantemente o modo de operar do atual governo. ¿Estamos mostrando nossa fidelidade. Mas as coisas têm limite¿, avisa.

Apesar dos recados e da irritação, o governo se prepara para mais duas tratoradas: a votação do Código Florestal nos moldes do Executivo, e a aprovação da medida provisória que flexibiliza a Lei de Licitações e facilita a contratação de empresas para as obras da Copa. O Ministério Público Federal publicou uma nota condenando a proposta. O governo vai pautar mesmo assim. E, a depender do cenário atual, vai conseguir submeter aos deputados mais uma das suas vontades.