Título: Congresso clama por moralização
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Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2011, Opinião, p. 26

Se o reajuste de 61,8% que os parlamentares se concederam no apagar das luzes de 2010 já era um escândalo, mais inacreditável é o pagamento de gratificação por desempenho (GD) a servidores aposentados pelo Senado. É isso mesmo: inativos são premiados como se estivessem se destacando no desempenho de alguma função na Câmara Alta. A nova benesse foi inserida no plano de cargos e salários da Casa aprovado em julho do ano passado e provoca verdadeira corrida à aposentadoria. Desde então, 319 funcionários passaram para a inatividade, contra 99 em todo o ano de 2009 e 44 no primeiro semestre de 2010.

O privilégio afasta ainda mais o parlamento da sociedade. O fosso é tão profundo que apenas o extra levado por um trabalhador do Senado para a aposentadoria pode superar em quase três vezes o salário de um professor universitário com mestrado e em fim de carreira. Somado à GD o adicional por tempo de serviço e outras vantagens, o valor passa dos R$ 20 mil, enquanto o docente embolsa menos de R$ 7,5 mil. Observe-se que, no primeiro caso, a soma representa apenas a gordura agrupada ao ordenado ¿ esse, em si, já é um disparate quando comparado ao praticado no mercado de trabalho. Para se ter ideia, analistas legislativos da Casa recebem de R$ 18,4 mil a R$ 20,9 mil; consultores, de R$ 23,8 mil a R$ 25 mil.

A questão é que as superaposentadorias podem ser um escândalo, mas são legais. Estão previstas em lei sancionada pelo presidente da República. Para modificar essa realidade, o Congresso teria que produzir novo projeto de lei ¿ com efeitos futuros, que não atinjam o direito adquirido daqueles que já gozam do benefício ¿ e aprová-lo. Como, historicamente, os legisladores brasileiros são mais propícios a acumular do que a descartar vantagens, é difícil acreditar numa reversão do quadro. Menos ainda em uma legislatura que inaugurou os trabalhos com a nomeação, para cargos de comando e presidências de comissões, de parlamentares sob suspeitas diversas, privilegiando fichas sujas.

Até há iniciativas isoladas de moralização. Recém-chegada à Câmara dos Deputados, Gleisi Hoffmann (PT-PR) propôs acabar com o 14º e o 15º salários pagos a deputados e senadores. Antônio Reguffe (PDT-DF) preferiu adotar atitude pessoal, abrindo mão desses dois pagamentos, ¿em caráter irrevogável e durante todo o mandato¿. Também dispensou o auxílio-moradia e a cota mensal de passagens aéreas (já que mora em Brasília), 80% da verba indenizatória e 20% dos recursos de gabinete. Mas medidas isoladas não bastam. É preciso ir mais longe, enfrentar o corporativismo e resgatar a desgastada imagem do Congresso, o que apenas será possível com radical mudança de comportamento dos parlamentares.

Como iniciativas do gênero dificilmente se disseminarão espontaneamente no meio, cabe ao eleitor dar um empurrão. Nas últimas eleições, das 46 cadeiras em disputa no Senado, 32 foram ocupadas por novatos. Na Câmara, a renovação foi de 46%. Outra vez, é preciso ir além. Está aí o exemplo da Lei da Ficha Limpa, fruto de iniciativa popular. A experiência bem poderia ser replicada para promover uma reforma política decente e quantas vezes mais seja necessário, até que se complete a faxina. Além disso, entre um pleito e outro, é imprescindível que o cidadão fiscalize e cobre dos eleitos o mínimo desvio da postura ética que se espera deles.