Título: A vingança começou
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 14/05/2011, Mundo, p. 28

Ehsanullah Eshan, porta-voz do grupo fundamentalista islâmico Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP), avisou à agência de notícias France-Presse, por telefone: ¿É a primeira ação para vingar o martírio de Osama (bin Laden) e foi executada por dois de nossos combatentes; aguardem ataques maiores no Paquistão e no Afeganistão¿. Onze dias depois da morte do terrorista líder da rede Al-Qaeda, a retaliação foi planejada de forma a causar o maior número possível de vítimas. Os terroristas adotaram o fator surpresa para potencializar os danos e escolheram um alvo simbólico para o governo paquistanês.

Os paramilitares recém-formados preparavam-se para tomar as minivans que os levariam para casa, após nove meses encerrados no quartel do Constabulário da Fronteira, em Charsadda, a 30km de Peshawar. Às 5h55 de ontem (21h55 de quinta-feira em Brasília), ocorreu a primeira explosão. ¿O primeiro homem-bomba veio sobre uma moto e detonou os explosivos no meio dos homens do Constabulário da Fronteira¿, relatou à AFP Nisar Khan Marwat, chefe da polícia distrital. ¿Quando os outros paramilitares vieram para ajudar seus colegas, o segundo extremista veio em outra motocicleta e se explodiu.¿

Um sobrevivente contou que estava sentado dentro da minivan, à espera dos colegas. ¿Estávamos felizes por termos a chance de ver nossas famílias e escutei alguém gritar `Allahu Akbar¿ (Deus é grande, em árabe), antes de uma forte explosão¿, disse o cadete Ahmad Ali, entrevistado por telefone, pela France-Presse, no hospital. ¿Depois ouvi uma segunda explosão. Saí do ônibus todo ensanguentado.¿

O duplo ataque terrorista ¿ o mais violento de 2011 no país ¿ deixou 80 mortos, incluindo 65 paramilitares, feriu cerca de 140 pessoas e provocou a imediata repulsa dos Estados Unidos. ¿Foi um atentado atroz¿, disse Mark Toner, porta-voz do Departamento de Estado norte-americano. ¿Isso mostra apenas a ameaça existencial que esse tipo de organização extremista representa para o Paquistão, e ressalta por que é tão importante continuarmos a trabalhar juntos derrotando e desmantelando a Al-Qaeda, assim como seus aliados.¿

Pressão Autor de Crossed swords: Pakistan, its Army and the wars within (Espadas cruzadas: o Paquistão, seu exército e as guerras), o paquistanês-americano Shuja Nawaz lembra ao Correio que o TTP já tinha prometido vingar Bin Laden. ¿O grupo está sobre uma pressão cada vez mais intensa dos militares do país nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata, pela sigla em inglês), especialmente no distrito Agência Mohmand¿, explica. ¿E existe uma cooperação maior do exército com as forças da coalizão na província Konar, na fronteira com o Afeganistão.¿ A facção, leal à Al-Qaeda, é a principal responsável pelos mais de 450 atentados que custaram a vida de 4,3 mil paquistaneses, desde 2007.

O chefe de polícia de Charsadda afirmou à TV Al-Jazeera que 12 carros e cerca de 20 lojas ficaram destruídos pelas explosões. De acordo com o policial Jahanzeb Khan, a primeira detonação foi provocada por cerca de 2kg de explosivos. O segundo terrorista acrescentou à bomba pequenas esferas e pregos. Um vendedor de hortaliças que testemunhou o duplo ataque descreveu um cenário de horror. ¿Eu vi fumaça, sangue e pedaços de corpos por todos os lados.¿

Apesar de o TTP ter se tratado de uma vingança pela morte de Bin Laden, a polícia paquistanesa questiona a real motivação dos atentados. Oficiais consultados pelo jornal The New York Times comentaram que a carnificina foi em resposta a uma ofensiva do Exército paquistanês nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata) ¿ região que concentra o feudo de apoio aos talibãs e à Al-Qaeda. Eles creem que a ação partiu de dissidentes do TTP que têm combatido o Exército na província Mohmand. Os soldados de Islamabad iniciaram a terceira fase da ofensiva e sofreram várias baixas. A suspeita da polícia não pôde ser oficialmente verificada.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, manifestou ontem seu apoio ao Paquistão. ¿As Nações Unidas se solidarizam com o Paquistão em seus esforços para combater o terrorismo, que segue custando a vida de tantos de seus cidadãos¿, declarou o sul-coreano, por meio de um comunicado lido por seu porta-voz, Martin Nesirky.