Título: A Europa quer virar fortaleza
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Fonte: Correio Braziliense, 15/05/2011, Opinião, p. 18

A crise que nasceu nos Estados Unidos e atingiu, em maior ou menor escala, os demais países trouxe consequências que ultrapassam as agruras econômicas. Além de queda do Produto Interno Bruto (PIB), quebra de empresas, desemprego e redução de benefícios sociais, a debacle atingiu a circulação de pessoas. A Europa decidiu transformar-se em fortaleza. Fecha-se para a imigração apesar do Tratado de Schengen, que derruba as barreiras ao trânsito.

Firmado em 1985, o acordo visou criar um espaço comum de livre circulação de pessoas e mercadorias, facilitar o turismo, controlar a imigração, combater o tráfico de drogas e colaborar em processos judiciais. Ao entrar num país, o visitante ganha o aval para atravessar as fronteiras dos demais membros da União Europeia sem necessidade de visto.

A diminuição dos postos de trabalhado e a imigração provocada pelos conflitos no norte da África deram combustível aos partidos ultradireitistas, tradicionalmente xenófobos. Sob pressão do Partido do Povo Dinamarquês (DVP), Copenhage decidiu restabelecer os controles nas fronteiras com a Alemanha e a Suécia. O primeiro-ministro, Lars Rasmussen, ao pisar um símbolo da integração continental tão poderoso quanto o euro, alegou estar agindo em nome do combate a criminosos do Leste Europeu. Na verdade, pagou o preço do indispensável apoio do DVP ao governo minoritário.

O presidente francês, Nicolas Sarkozy, acossado pela meteórica ascensão da extrema direita Frente Nacional, aliou-se ao premiê italiano, Silvio Berlusconi, para apresentarem à União Europeia proposta de revisão do Tratado de Schengen. Querem fechar as portas aos trabalhadores estrangeiros. Com a iniciativa, puseram panos quentes no estremecimento provocado pela decisão de Roma que autorizou o trânsito temporário de milhares de pessoas recém-desembarcadas da Tunísia.

Em entrevista a jornalistas brasileiros em Bruxelas, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, afirmou ser necessário o endurecimento das leis de imigração do bloco. Os ilegais serão perseguidos. Segundo ele, por motivo de segurança. O movimento geral, pois, caminha rumo a legislação mais discriminatória.

Em momentos de dificuldade, a Europa esquece que os imigrantes ajudaram a reconstruí-la depois da guerra. A chegada do milésimo estrangeiro à Alemanha foi saudada com festa. Esquece também a responsabilidade pela situação que ora se desencadeia no norte da África. As ditaduras contra as quais o povo se rebela foram não só toleradas pelo Velho Continente. Muitas receberam apoio e homenagens.