Título: Desafio de recomeçar
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 15/05/2011, Mundo, p. 22

Haiti Cantor popular sem experiência política, Martelly assume a Presidência de um país que precisa ser reconstruído

O país devastado pela pobreza e pela tragédia de um terremoto que matou mais de 250 mil pessoas tem um novo governante. Ontem, perante a Assembleia Nacional do Parlamento, Michel Martelly sentiu o peso da faixa presidencial do Haiti no peito. O cantor de música popular e político inexperiente representa, para os haitianos, uma chance de começar de novo e seguir um caminho diferente. Depois de governos tiranos e da constante ajuda humanitária que não tem prazo para acabar, todas as apostas estão voltadas para o novo presidente. Ele deve enfrentar diversos desafios na reconstrução não apenas de infraestruturas perdidas, mas na confiança e na autoestima do povo. Além de ter jogo de cintura para lidar com a intervenção da comunidade internacional.

¿Juro diante de Deus e da Nação observar fielmente a Constituição e as leis da República¿, prometeu o cantor de 50 anos. Muito aplaudido por parlamentares e autoridades estrangeiras, como o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o novo chefe de Estado seguiu para o Museu Nacional para homenagear os heróis da independência do Haiti.

Na opinião de especialistas, Martelly pode não ter muito espaço para provocar mudanças, por causa da situação do país, mas terá uma visão política bem diferente de seus antecessor, René Préval. ¿Ele foi eleito justamente porque ele é um desconhecido no cenário político. As pessoas não estavam contentes com o governo anterior e queriam alguém que não estivesse conectado com esse meio. Ele vai trazer um novo estilo, mas não necessariamente uma mudança. O Haiti ainda depende muito da ajuda da comunidade internacional¿, acredita Robert Fatton Jr., professor haitiano do departamento de política Universidade da Virgínia.

Conservadorismo Um das primeiras decisões de Martelly no governo será a indicação de seu primeiro-ministro. Por enquanto, as apostas estão em Daniel-Gérard Rouzier, um empresário bem-sucedido, autor de diversos livros sobre economia e meio ambiente, com direito a dois importantes diplomas das universidades de Dartmouth e Georgetown, nos Estados Unidos. ¿Ele é conhecido por ser conservador, então pode ser que o governo não tenha uma agenda muito neoliberal, mas continue a manter um compromisso com a comunidade internacional¿, ressalta Fatton Jr. O presidente também precisa manter um bom relacionamento com o parlamento, que tem apenas três deputados e 16 senadores do seu partido.

O Haiti depende, e muito, da ajuda internacional, e Martelly sabe bem disso. Antes mesmo da proclamação dos resultados, ele foi a Washington se encontrar a secretária do Departamento de Estado americano, Hillary Clinton, no mês passado. ¿Ele deve manter as boas relações com a França e com os Estados Unidos. A grande questão será observar sua postura com países como Cuba e Venezuela, já que ambos ajudam o Haiti, mas até então a relação ficou nas sombras¿, diz o especialista haitiano. Para Mark P.Jones, professor de ciência política da Universidade de Rice no Texas, apesar da pouca experiência política, o novo presidente pode ter um perfil mais diplomático. ¿Ele vai estar mais aberto para trabalhar com a comunidade internacional, é provável que ele tenha menos atrito e mais cooperação, mas pode não resistir à pressão como seu antecessor.¿

Martelly, que ganhou as eleições com 67,6% dos votos, chegou a dizer durante a campanha que iria convidar todos os ex-presidentes para fazer parte do seu governo, inclusive o ex-ditador Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, e Jean-Bertrand Aristide, que depois de anos de exílio voltaram para o país, em plena disputa eleitoral. Mas, para Fatton Jr., o ex-ditador não deve ter espaço no novo governo, ao contrário de Aristide. ¿Ele disse que todos são bem-vindos como uma forma de manter calma a elite, mas o tempo de Duvalier passou. Aristide poderia ser mais prestativo e até trabalhar como um conselheiro informal ou um aliado¿, afirma Jones.

Apagão A transferência de poder aconteceu apesar da falta de energia elétrica no parlamento provisório, um edifício construído para a ocasião. Além do apagão, as 500 pessoas presentes, incluindo 100 parlamentares e delegados estrangeiros, sofreram com um forte calor.