Título: Procuram-se engenheiros, mecânicos, artesãos...
Autor: Bonfanti, Cristiane ; Freitas, Jorge
Fonte: Correio Braziliense, 20/05/2011, Economia, p. 8

Defendida ao longo das décadas, a fórmula para atrair talentos nunca foi problema para as empresas, tamanha era a oferta de mão de obra no mercado. Hoje, porém, encontrar profissionais qualificados disponíveis se tornou uma tarefa árdua, que, na maioria das vezes, obriga as companhias a formar seus próprios trabalhadores. Não à toa, o estudo da Consultoria Manpower revela que o Brasil é o terceiro país do mundo no ranking de escassez de mão de obra. Aqui, 57% dos empregadores enfrentam dificuldade em preencher funções, muitas delas básicas, como a de motorista ¿ a média global é de 34%. O resultado é pior apenas que o do Japão (80%) e o da Índia (67%).

Coincidência ou não, no Brasil, os maiores gargalos encontram-se em áreas estratégicas para um país que sediará competições globais como a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

Os profissionais mais escassos são técnicos; engenheiros; motoristas; operários; operadores de produção; representantes de vendas; secretárias e assistentes administrativos; trabalhadores de ofício manual; mecânicos; contadores e profissionais de finanças.

¿Na prática, eles estão presentes em empresas de construção civil, de telecomunicações e de tecnologia da informação. Bancos também contratam muitos técnicos, tecnólogos e engenheiros, para as áreas financeiras e de análise de investimentos¿, explicou a executiva de Recursos Humanos da Manpower Márcia Almström, responsável pela pesquisa no Brasil.

Limitações Entre os profissionais disputados a tapa, o recém-formado em engenharia Pedro Igor de Araújo, 23 anos, não enfrentou dificuldades para ser contratado. ¿O mercado da construção civil está aquecido. Da minha sala, ninguém foi para o serviço público. Todos estão na iniciativa privada¿, observou. ¿O Brasil está crescendo em infraestrutura e isso demanda mão de obra¿, comentou o colega de profissão, Nagib Maluf, 30. Com 13 anos de carreira, o engenheiro Lander Cabral, 35, também sentiu a evolução do setor. ¿As condições de trabalho melhoraram muito, além da valorização dos funcionários¿, opinou.

O artesão Antônio Marques, 41 anos, está entre os trabalhadores em falta no mercado. Para ele, um dos motivos da escassez é o fato de os brasileiros, cada vez com mais acesso à educação, estarem deixando os serviços manuais.

¿Hoje em dia, os filhos não seguem a profissão dos pais, querem coisa melhor. Tenho dois. Uma quer ser médica e o pequeno, fazer faculdade na área de informática.¿ Embora seja requisitado, o mecânico Antônio Alves, 40, pensa em mudar de profissão. ¿Retomei os estudos. Nos classificados, sobram vagas para mecânicos, mas os salários são baixos, em torno de R$ 800 mensais.¿

O contador José Batista Júnior é mais otimista. ¿Estou na profissão do futuro. Com a informatização, as empresas não podem deixar de ter o contador¿, afirmou. Para operadores de produção, também sobram vagas. ¿Hoje, sou empresário, mas já fui operador. As pessoas saem da área porque o trabalho é braçal e paga pouco¿, acrescentou Cláudio Silva, 36.

Urgência de técnicos

Se quiserem minimizar os prejuízos causados à economia pela falta de profissionais capacitados, empresas, governo e população terão de se unir.

¿O resultado só virá na velocidade necessária para o desenvolvimento do país se tudo for feita de forma muito bem alinhada, com prioridade à educação¿, afirmou a executiva de Recursos Humanos da Manpower, Márcia Almström.

A seu ver, o descompasso entre a procura e a oferta de empregados deve-se, de um lado, à falta de investimento do governo em cursos técnicos. De outro, à cultura dos brasileiros, que, nos últimos anos, deixaram a educação técnica de lado e se concentraram na formação superior. ¿A atenção foi, especialmente, para as áreas de Direito e Administração. Hoje, a dificuldade está em setores como infraestrutura e engenharia. Não temos profissionais nem em volume nem em qualidade¿, destacou.

Para o técnico em informática Thiago Bezerra Alves, 24 anos, a facilidade em se fazer graduação aumentou o gargalo no setor técnico. ¿A maioria prefere ter diploma universitário. Assim, algumas carreiras que não exigem ensino superior ficam prejudicadas¿, disse.

Em busca de melhores ganhos, a secretária Rose Lima Araújo, 22, começou uma graduação em psicologia, e deve aumentar o gargalo na área de secretariado. ¿O mercado de trabalho exige muito. Quero um salário melhor e, por isso, pretendo deixar esse ramo¿, explicou.

Economista da Opus Gestão de Negócios e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), José Márcio Camargo alertou para a falta de uma política que garanta a qualidade já na educação básica. ¿O Estado brasileiro gasta sete vezes mais no ensino superior do que no básico. E isso não deve mudar. A tendência é que mantenhamos o nível de instrução de nosso trabalhador relativamente baixo¿, afirmou.

Se quiser capacitar mão de obra técnica, o Brasil terá de enfrentar uma corrida contra o tempo, no entendimento do coordenador de Pós-Graduação e MBA da Trevisan Escola de Negócios(SP), Olavo Hermínio Furtado. ¿A sociedade tem de mudar a sua postura e ser mais agressiva. Precisamos de empresas treinando seus empregados e de milionários doando fortunas a escolas, como acontece nos Estados Unidos.¿ (CB, JF e LG)

Em falta

Confira o ranking das 10 profissões com maior escassez de talentos no Brasil

1º Técnicos

2º Engenheiros

3º Motoristas

4º Operários

5º Operadores de produção

6º Representantes de vendas

7º Secretárias e assistentes administrativos

8º Trabalhadores de ofício manual

9º Mecânicos

10º Contadores e profissionais de finanças

Nações com maior dificuldade para encontrar talentos

Países Índice de empresas atrás de mão de obra

Japão 80%

Índia 67%

Brasil 57%

Austrália 54%

Taiwan 54%

Romênia 53%

Estados Unidos 52%

Argentina 51%

Turquia 48%

Suíça 46%

Fonte: Pesquisa Anual de Escassez de Talentos, do ManpowerGroup