Título: Aeroapertos
Autor: Frei Betto
Fonte: Correio Braziliense, 20/05/2011, Opinião, p. 13
Escritor, é autor de A arte de semear estrelas (Rocco), entre outros livros
O Brasil se prepara para abrigar a Copa do Mundo de Futebol, em 2014 e, dois anos depois, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos. São festas de arromba, como diria Roberto Carlos que, agora, completa 70 anos de idade, talento e simpatia.
Getúlio Vargas, quando presidente, todos os anos transferia a capital da República, a 21 de abril, para Ouro Preto. De certa feita, uma família mineira decidiu recepcioná-lo com um faustoso banquete em Belo Horizonte. Todos se fartaram e poucos souberam que, recolhidos os pratos, a família faliu. Mas a festa saiu comme il faut!
Não espero que o Brasil venha a falir ao recepcionar Copa e Olimpíadas, embora saiba que muitos, ao recolher de bolas e torneios, ficarão ainda mais ricos. Os Jogos Pan-Americanos de 2007 tinham orçamento de R$ 800 milhões e consumiram R$ 4 bilhões. Superfaturamento equivale a supercorrupção. Logo...
A infraestrutura do Brasil não está, por enquanto, adequada aos dois eventos esportivos. As reformas de 12 estádios de futebol ainda não tiveram início; o do Corinthians, a ser construído em São Paulo, não poderá, segundo seu presidente, atender metade das exigências da Fifa; e nossos ¿aeroapertos¿ estão saturados. De 13 cidades-sede da Copa, nove aeroportos estão com obras atrasadas.
Em 2010, brasileiros utilizaram mais aviões que ônibus para viagens interestaduais. Ano passado, o movimento de passageiros em Guarulhos (SP) foi de 26,7 milhões; em Congonhas (SP), de 15,4 milhões; em Brasília, de 14,1 milhões; no Tom Jobim (RJ), de 12,2 milhões; e nas demais capitais, entre 5 e 7 milhões.
Isso se deve à melhoria das condições de vida da população, graças aos mecanismos de distribuição de renda adotados pelo governo Lula, e ao aumento do número de empresas aéreas, o que acirrou a concorrência.
Nossos aeroportos foram construídos para suportar um volume bem menor de voos e, hoje, são verdadeiros ¿aeroapertos¿. Em Congonhas, Santos Dumont, Confins e outros, os banheiros são insuficientes. No desembarque doméstico de Confins existe um único banheiro masculino com quatro privadas, três mictórios e três pias. No desembarque de Congonhas também só existe um banheiro masculino, que conta com três ou quatro privadas e meia dúzia de mictórios. Num voo doméstico, que comporta cerca de 200 passageiros, se uns poucos precisarem desafogar a bexiga, haja fila... e aperto! As mulheres, então, suportam maiores dificuldades.
Nos bares e cafés, há um mínimo de atendentes para o máximo de consumidores. Onde deveriam estar três ou quatro funcionários, vê-se um. Mesas e balcões estão quase sempre sujos, pois a rotatividade e a falta de faxineiras impedem a limpeza adequada.
No desembarque, filas intermináveis para os táxis. Em Guarulhos, uma única empresa, sob o comando de um vereador da cidade, mantém o monopólio de quem sai do aeroporto de Cumbica. E coitado do taxista que, ao deixar um passageiro, cometer o grave ¿crime¿ de apanhar outro. Corre o risco de ser linchado pelos olheiros da cooperativa monopolista, como aconteceu há tempos no Galeão com um taxista que não era da tchurma.
Há, sim, melhoras: as empresas aéreas têm mais atendentes no balcão; há sistemas de autoatendimento; o balcão de prioridades é eficiente. Mas o ar refrigerado não funciona; quase não há poltronas disponíveis nos saguões e, quando há, são desconfortáveis. Quem dera tivéssemos, no Brasil, uma sala de espera da qualidade do aeroporto do Panamá!
A quem reclamar? À Anac, à Infraero, à nova Secretaria de Aviação Civil, com status de ministério? Há dias, fui ao balcão da Infraero, no Aeroporto Santos Dumont, queixar-me de uma empresa que dispunha de um único funcionário para atender extensa fila. Deram-me um formulário. Tratei de preenchê-lo. Supus ser o bastante. Que nada! Poucos dias depois recebi correspondência solicitando que eu formalizasse a denúncia em novo formulário.
Os aeroportos receberam do governo R$ 5,8 bilhões para reformas. O cronograma de obras está atrasado. Segundo o Ipea, no atual ritmo de licitações, as obras demorarão mais de seis anos para serem concluídas...
Agora o governo federal pretende alterar as regras de licitações e, vejam só, premiar as empresas que trabalharem mais rápido! Imaginem a qualidade! Em país sério faz-se o contrário: multa-se quem não cumpre prazos ou falha em qualidade.
Prevê-se que cada turista, nos dois eventos esportivos, fará de seis a 14 viagens aéreas, devido às distâncias no interior do Brasil. Pelo andar de nossas aerocarruagens, só nos resta suplicar a São Cristóvão, padroeiro dos viajantes, que ilumine governo e empreiteiras para que nos ofereçam boas obras. E queime as mãos dos corruptos que embolsarem dinheiro público.