Título: Um passo adiante
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 20/05/2011, Mundo, p. 14

Oriente Médio

Em pronunciamento histórico, o presidente Barack Obama detalha a nova diplomacia dos EUA para a região, defende Estado palestino com as fronteiras de 1967 e apoia revoluções contra tiranias árabes

Barack Obama resolveu assumir um grande desafio: encontrar uma saída para um conflito que perdura por quase um século. O presidente dos Estados Unidos defendeu um acordo de paz definitivo para a disputa de território entre Israel e Palestina com base nas fronteiras estabelecidas em 1967. Com palavras direitas e incisivas, o chefe de Estado norte-americano pediu por mudança e entendimento entre os países do Oriente Médio. Mas ele sabe que seu papel de pacificador não será fácil. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que desembarca hoje em Washington, rejeitou a proposta. Por sua vez, o líder da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, viu a nova negociação com cautela.

Durante um discurso de quase uma hora, Obama afirmou que a diplomacia americana inicia um novo capítulo no Oriente Médio. O presidente dos EUA apresentou uma ajuda política e econômica no processo de transição democrática no Egito e na Túnisia, e alertou que a repressão por parte dos regimes árabes não pode conter o desejo de mudança da população. O anúncio mais marcante foi sobre a questão do conflito entre Israel e Palestina. Para o chefe de Estado, não há razão para protelar um acordo de paz. ¿Precisamos trabalhar pensando no futuro, em vez de permanecer no passado¿, afirmou.

Ousadia Obama nunca tinha sido tão específico nem revelado seus planos em um discurso, apesar de suas palavras estarem sempre em torno da paz e da democracia. ¿Foi muito ousado da parte dele realçar essa questão de 1967 e ser tão direcionado em relação ao mundo árabe. Anteriormente, ele tinha sido muito genérico. Acho que, com a morte de Osama bin Laden, ele começou a impor a agenda dele. É um passo adiante, este era o tipo de atitude que lhe poderia render um Prêmio Nobel da Paz. Ele está no papel de construtor, com a ideia de ajudar a construir democracias, respeitando a realidade de cada um¿, disse Cristina Pecequilo, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo.

O presidente da Autoridade Palestina fez uma reunião logo após o discurso de Obama e, em seguida, pediu que o processo de paz tenha a ¿oportunidade que se merece¿. Por meio de um comunicado, Abbas também agradeceu o apoio ao direito do povo palestino. No entanto, o grupo fundamentalista Hamas, que se juntou ao movimento nacionalista Fatah para formar um governo unificado, declarou que as palavras do presidente americano ¿não oferecem solução alguma ao conflito árabe-israelense¿.

O primeiro-ministro israelense descartou o retorno às fronteiras de 1967, antes da Guerra dos Seis Dias. A recusa do acordo, que já existe em uma resolução estabelecida pela ONU, é um dos grandes impasses para que o processo de paz seja desenvolvido. Para Netanyahu, a volta dos limites territoriais apresenta um risco e é ¿indefensável¿. Na contramão do acordo, Israel aprovou ontem a construção de 1.520 casas em dois bairros de colonização judaica em Jerusalém Oriental.

Para Jonathan Rynhold, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade de Bar Ilan (Israel), Obama não vai fazer diferença no processo de paz entre israelenses e palestinos. ¿Exceto em circunstâncias extraordinárias, como em tempos de guerra, a influência americana não é suficiente para impor a paz; o papel é mais das duas partes, cujo destino está em jogo. O grande problema é que Obama não tem tanta confiança de Israel.¿

Trechos do discurso

Primavera árabe ¿Durante seis meses, testemunhamos uma mudança extraordinária no Oriente Médio e no norte da África. Praça por praça, cidade por cidade, país por país, as pessoas lutaram por seus direitos humanos básicos. Dois líderes foram depostos. Outros devem seguir o exemplo. E, mesmo que esses países estejam longe das nossas fronteiras, nós sabemos que nosso futuro está ligado a essa região pelas forças da economia, da segurança, da história e da fé.¿ Terrorismo ¿Pela força moral da não violência, as pessoas conseguiram mais mudanças em seis meses do que os terroristas conseguiram em décadas. Bin Laden rejeitou a democracia e os direitos individuais dos muçulmanos em favor do extremismo violento. Sua agenda estava no que ele poderia destruir e não no que poderia construir.¿

Exemplo brasileiro ¿Os eventos dos últimos seis meses nos mostraram que as estratégias de repressão não funcionarão mais. A TV via satélite e a internet promoveram uma janela para um mundo maior, um mundo de progresso impressionante em lugares como Índia, Indonésia e Brasil. Celulares e redes sociais permitiram que os jovens se conectassem e se organizassem como nunca antes. Uma nova geração surgiu. E suas vozes dizem que a mudança não pode ser negada.¿

Al-Qaeda ¿Bin Laden e sua visão assassina ganhou alguns seguidores. Mas, mesmo antes da sua morte, a rede Al-Qaeda estava perdendo sua relevância. Grande parte das pessoas começou a ver que o assassinato de inocentes não responde a seus desejos por uma vida melhor.¿

Líbia ¿Na Líbia, nós vimos a projeção de um massacre iminente, que pediu por uma ação. Escutamos o pedido de ajuda do povo líbio. Se não tivéssemos agido com os nossos aliados da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e com os parceiros regionais, milhares teriam sido mortos. A mensagem tinha sido clara: (Kadafi pretende) manter o poder matando quantas pessoas fosse necessário. Agora, o tempo trabalha contra Kadafi. Ele não tem mais o controle de seu país. A oposição formou um conselho de transição. Quando Kadafi cair, décadas de provocação irão junto.¿

Síria ¿O povo sírio mostrou coragem em demandar transição para a democracia. O presidente (Bashar) Al-Assad não tem escolha: ele pode ir em direção à transição ou sair do caminho. O governo precisa deixar de atirar contra os manifestantes e permitir protestos pacíficos, libertar prisioneiros políticos, parar com o conflito injusto e avançar rumo ao diálogo.¿

Barein

¿O Barein é um parceiro antigo e nós estamos comprometidos com sua segurança. Reconhecemos que o Irã tentou tirar vantagem das manifestações e que o governo do Barein tem um interesse legítimo em mudar as leis. O governo precisa criar condições para o diálogo, e a oposição precisa participar para forjar um futuro justo para toda a população.¿

Ajuda financeira ¿Pedimos ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para apresentarem um plano na cúpula do G8 sobre o que precisa ser feito para estabilizar e modernizar as economias da Tunísia e do Egito. Nós não queremos que um Egito democrático seja atrapalhado pelas dívidas do passado. Nós vamos ajudar o Egito, ao garantir US$ 1 bilhão em empréstimos necessários para uma infraestrutura financeira e para a criação de emprego. Nós estamos trabalhando com o Congresso para um fundo de investimento para a Tunísia e o Egito.¿

Conflito árabe-israelense ¿O mundo vê um conflito que está se arrastando por décadas e percebe uma estagnação. De fato, existem aqueles que argumentam que com toda a mudança e a incerteza na região, simplesmente não é possível ir adiante. Eu não concordo. Em um tempo em que as pessoas do Oriente Médio e do norte da África estão colhendo as feridas do passado, a luta por uma paz permanente que acabe com o conflito e resolva todas as demandas é mais urgente que nunca. (¿) As fronteiras de Israel e da Palestina devem ser baseadas nos limites de 1967 com trocas acertadas mutuamente, para que fronteiras seguras e reconhecidas sejam estabelecidas para ambos os Estados.¿

Israel Nossa amizade tem raízes profundas em uma história e em valores compartilhados. Nosso comprometimento com a segurança de Israel é inabalável. Precisamente por conta da nossa amizade, é importante que digamos a verdade: este status quo é insustentável, e Israel também precisa agir com audácia para avançar na paz permanente.¿