Título: Briga pela sucessão
Autor: Ribas, Sílvio ; Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 20/05/2011, Mundo, p. 15

ESCÂNDALO

Horas depois de o francês Dominique Strauss-Kahn, que conseguiu ontem liberdade condicional sob fiança de US$ 1 milhão, renunciar ao cargo de diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a União Europeia (UE) tratou de fechar a porta à pretensão dos emergentes de ocupar o posto. Para manter um europeu à frente do organismo, o bloco já articula nomes ¿ o da ministra de Finanças da França, Christine Lagarde, à frente. ¿Temos que apresentar um candidato europeu¿, afirmou ontem a chanceler alemã Angela Merkel, que pediu rapidez na escolha. ¿É natural que a UE indique um candidato forte e competente¿, acrescentou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.

Após ser preso no último sábado, acusado de tentar estuprar uma camareira do hotel onde estava hospedado, Strauss-Kahn perdeu credibilidade no FMI, que dirigia desde 2007. Ele teve papel decisivo no ano passado nos resgates financeiros na Zona do Euro, principal acionista do fundo (somados seus integrantes). A Europa quer preservar a tradição de o organismo com sede em Washington ser liderado por um europeu, enquanto o Banco Mundial (Bird) fica com um norte-americano. Nos bastidores, Christine Lagarde, 55 anos, recebe importantes apoios, como os de Berlim e Washington.

¿A UE pode apresentar uma candidatura de qualidade muito alta¿, afirmou o presidente francês, Nicolas Sarkozy, em nota. O grupo de ministros de Finanças da eurozona considerou Christine ¿candidata ideal¿. Consultada sobre a movimentação, a própria francesa afirmou misteriosamente: ¿Viva a Europa!¿. Corre por fora o também francês Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE). A França comandou o FMI em 26 dos últimos 35 anos.

A candidatura da ministra, que é advogada, surge no momento em que enfrenta dificuldades para continuar no governo francês, da qual participa desde 2007. Ela está ameaçada de investigação judicial por ¿abuso de autoridade¿, um constrangimento em período pré-eleitoral. A oposição a acusa de intervir a favor do pagamento de indenização de 285 milhões de euros do banco Credit Lyonnais ao empresário Bernard Tapie, num caso envolvendo a venda da marca de equipamentos esportivos Adidas, em 1993.

Reação As potências emergentes reagiram e tentam marcar posição. ¿Já passou o tempo em que poderia ser remotamente apropriado reservar este importante cargo a um europeu¿, anotou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, em carta ao G20, grupo das 20 maiores economias. ¿Tem que ser um processo que considere os méritos, independentemente da nacionalidade¿, acrescentou o presidente do Banco Central do Brasil, Alexandre Tombini, que foi o principal assessor do representante do Brasil no FMI de 2001 a 2005.

¿A princípio, pensamos que os novos mercados emergentes e os países em desenvolvimento devem ser representados na direção do FMI¿, declarou a porta-voz do ministério chinês das Relações Exteriores, Jiang Yu. A imprensa chinesa aponta Zhu Min, ex-vice-governador do BC chinês e ex-conselheiro de Strauss-Kahn, como candidato. O México pediu critérios técnicos e pode oferecer o ex-presidente Ernesto Zedillo e o governador do Banco Central, Agustín Carstens, como candidatos. O turco Kemal Dervis, ex-ministro das Finanças, é outro postulante.

O ex-chanceler Celso Amorim acha que a mudança no FMI é uma oportunidade para o Brasil. ¿Temos muitos nomes brasileiros que poderiam assumir o cargo. Um deles é o Paulo Nogueira Batista Júnior, que já está lá dentro¿, afirmou ontem, durante o 16º Encontro Nacional de Estudantes de Relações Internacionais (Eneri), em Brasília. Ele lembra que o próprio Strauss-Kahn achava que o sucessor dele deveria ser um economista de um país emergente.

A diretora de pós-graduação da Universidade de Oxford, no Reino Unido, Ngaire Woods, também destacou a oportunidade para os países em desenvolvimento. ¿Existem vários candidatos do Brics (bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que ampliaram significativamente a participação no fundo nos últimos anos¿, destacou, no mesmo evento. Apesar da torcida, o diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), Rubens Ricúpero, duvida que um país emergente conseguirá ocupar o cargo, listando Armínio Fraga e Henrique Meirelles como candidatos. ¿A UE não vai abrir mão do comando do FMI e, junto com os EUA, tem mais da metade dos votos¿, sublinhou.

PERFIL - CHRISTINE LAGARDE Candidata polêmica

A ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, é apontada como a candidata da União Europeia para chefiar o Fundo Monetário Internacional (FMI). Atual presidente do G-20, Lagarde, 55 anos, reúne qualidades como uma impecável gestão da crise na França.

Nascida em 1º de janeiro de 1956, formou-se em direito em 1981. Filha de professores, é ministra das Finanças desde 18 de maio de 2007. Durante o governo de Dominique de Villepin, foi ministra da Agricultura e da Pesca e do Comércio Exterior.

Christine Lagarde foi reconhecida pela revista Forbes como a 30ª mulher mais poderosa do mundo e pelo Wall Street Journal como a quinta empresária europeia. Fluente em inglês, viveu cinco anos em Chicago. Ela é casada e mãe de dois filhos.

A nomeação de Lagarde para dirigir o FMI, entretanto, dependerá do resultado de uma investigação sobre um escândalo empresarial francês, chamado caso Tapie. Segundo o jornal econômico alemão Handelsblatt, Lagarde é acusada, em Paris, de abuso de poder por ter supostamente livrado o empresário francês Bernard Tapie de uma querela jurídica com o Estado. Tapie ganhou o processo e o Estado teve de isentá-lo das exigências apresentadas, o que gerou as acusações contra Christine Lagarde.