Título: As falsas razões para um crime
Autor: Cavalcanti, Leonardo
Fonte: Correio Braziliense, 21/05/2011, Política, p. 4

Pelo tamanho, elas mais parecem servir para ancorar transatlânticos. Refiro-me às enormes correntes, que, amarradas nas pontas por tratores de grande porte, são mais destruidoras ao meio ambiente do que as motosserras. Derrubam árvores como se fossem feitas de papel. É um espetáculo deprimente, com vídeos espalhados na internet para quem quiser ver como é possível aniquilar rapidamente a vegetação.

Depois de quase 10 anos, os desmatadores voltaram a usar os correntões assassinos. A prática tinha sido quase que abandonada na década de 1990, mas os flagrantes voltaram a ser comuns no Norte e Centro-Oeste do país. E podem explicar o avanço da devastação verificada pelo governo entre os meses de agosto passado e abril deste ano. Pelo menos é com essa hipótese que trabalha o governo federal.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), o desmate teve alta de quase 30% na Floresta Amazônica. Em oito meses, perdemos 1.848km² de florestas. É quase um terço do tamanho total do Distrito Federal, incluindo, evidentemente, o Plano Piloto e as demais cidades.

Em meio à controvertida votação do Código Florestal, era mais do que natural que as informações sobre o desmatamento ¿ divulgadas na última quarta-feira ¿ fossem incluídas no debate. Se estamos prestes a aprovar regras para o meio ambiente, precisamos discutir os dados. A relação entre desmate e votação não é coisa de ambientalista maluco, pois. É um tema dos mais urgentes.

O inevitável Pouco se pode fazer com os números do Inpe, a não ser encará-los. E cada um faz isso da maneira que quiser. Se ambientalistas jogaram a culpa dos dados em eventuais brechas para anistias a desmatadores que estariam no projeto do código, o relator do texto, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), criticou o Ibama por ineficiência na fiscalização. Aldo está sob pressão, o que é natural. E defende-se como pode.

Mas há um detalhe: as reações parecem estar sempre um tom a mais. Durante a votação do código, há 10 dias, ele partiu para cima do marido de Marina Silva ¿ com ou sem razão, o deputado disse depois que pegou pesado. Na última quinta-feira, Aldo saiu com esta: ¿A ministra (Izabella Teixeira, do Meio Ambiente) tentou dar uma explicação e não conseguiu. Uma coisa fundamental é a falta de fiscalização e ineficiência de quem deveria fiscalizar. Espero que a ministra arranje resposta cabível¿.

A declaração de Aldo foi, evidentemente, uma resposta à Izabella Teixeira, que divulgou os números do desmatamento na quarta-feira. O problema é que a ministra em nenhum momento fez uma relação entre o tamanho do desmate e a votação do Código Florestal, por mais que tal coisa pudesse ser feita. Quem fez a inferência foram os jornalistas. E Aldo foi atrás: ¿As ONGs que espalharam que o código estimularia a devastação podem ter sido responsável por isso¿. Por isso o quê?

O provável Há um primeiro e óbvio culpado pelo aumento do desmatamento. O próprio desmatador, seja qual for a razão para arrancar árvores. Mas não deixa de ser razoável supor que os destruidores de florestas em algum momento tenham percebido que poderiam ser anistiados. Por mais que pudessem estar errados.

O Código Florestal, no artigo 33, parágrafo 4°, estabelece a data de 22 de julho de 2008 para suspender sanções ¿relativas à supressão irregular de vegetação em áreas de reserva legal, áreas de preservação permanente e áreas de uso restrito¿. Aldo, evidentemente, nega qualquer tipo de favorecimento ou mesmo a anistia aos bandidos. Mas, por mais que o deputado refute tal coisa, ele é incapaz de desmentir versões de quem quer destruir o meio ambiente. E tome correntões na mata.