Título: Sob a mira dos hackers do bem
Autor: Santana, Ana Elisa
Fonte: Correio Braziliense, 21/05/2011, Política, p. 6

Se até meados da década de 1990 a melhor forma que havia para manifestar insatisfações em relação ao governo era ir às ruas com faixas e palavras de ordem, hoje, com o crescimento da era digital, a população tem migrado para a rede virtual na hora de expressar sua opinião. E, cada vez mais, as pessoas sentem a necessidade de acompanhar as ações que definem o futuro do país. Atualmente, mais de 43,2 milhões de brasileiros são usuários ativos da internet, e quase 74 milhões acessam a rede, segundo levantamento do Ibope Nielsen Online. O número representa um crescimento de 13,9% em relação a 2010 e, com esse avanço, a figura dos hackers também se torna mais comum. Um grupo deles, entretanto, não se encaixa no estigma de piratas virtuais e tem usado os conhecimentos da rede para cobrar a divulgação de dados relativos à gestão pública e à participação popular.

¿Fala-se muito em transparência orçamentária, e todo mundo concorda que é necessária, mas o que preocupa mais são os processos administrativos, decisórios, políticos. Quero saber, sim, se foi executado o orçamento, mas também me interesso pelo processo que levou à decisão para aquele investimento¿, diz o cientista social Pedro Belasco, 29 anos, que participa do Transparência Hacker. O movimento, que conta na internet com mais de 500 membros das mais variadas profissões, combina encontros em diversos pontos do país ¿ os Hackdays ¿, nos quais são desenvolvidos aplicativos baseados em informações públicas, com o objetivo de facilitar a fiscalização do poder pelas pessoas comuns.

Entretanto, segundo a designer de interfaces Yasodara Cordova, 30 anos, o objetivo principal do Transparência Hacker não é fazer denúncias. ¿Buscamos a abertura de dados, melhoria de processo democrático, participação direta. Falta não só transparência, mas serviços bem prestados, que são coisas conectadas. Se o governo estiver fazendo bem o seu trabalho não há por que não abrir aquele processo para que todos vejam¿, acredita, acrescentando que, quando são encontradas, em portais do governo, falhas que podem prejudicar os cidadãos, os próprios órgãos são comunicados.

Legalidade O Transparência Hacker surgiu em São Paulo, em 2009, quando um grupo de programadores discutiu a ideia de incrementar a fiscalização dos gestores públicos utilizando a internet. Apesar de parecer ilegal, a ação dos hackers é amparada pela Constituição Federal, segundo Thiago Tavares, professor de direito da Universidade Católica de Salvador. ¿A administração pública é regida pelo princípio da publicidade. Se os dados são de interesse público, devem ser divulgados, e a decisão de mantê-los sob sigilo tem que ser justificada¿, afirma.

Parte da inspiração do movimento se espelha no Portal da Transparência, lançado pelo governo federal em 2004, que representou um marco para que os brasileiros pudessem acompanhar com mais clareza os processos decisórios e os gastos públicos no país.

Hoje, o governo brasileiro trabalha em um projeto de cooperação com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) a fim de desenvolver novas formas de incrementar o acesso à informação. ¿O projeto visa a preparar a máquina pública para a realidade já existente em vários outros países¿, destaca o secretário executivo da Controladoria-Geral da União, Luiz Navarro, salientando que a aprovação da Lei de Acesso à Informação, atualmente em tramitação no Senado, representará uma nova etapa no acompanhamento dos gastos oficiais e da gestão pública brasileira.

Diferença Popularmente, associa-se o termo ¿hacker¿ a pessoas com habilidade para utilizar a internet em práticas criminosas, como fraude a bancos, clonagem de cartões de crédito, ataques a redes corporativas e roubo de informações, entre outras atividades. No entanto, explicam os especialistas, os envolvidos em atos ilícitos são ¿crackers¿. ¿Os hackers procuram novas possibilidades de uso da tecnologia em prol da cidadania¿, diferencia Thiago Tavares, professor de direito da Universidade Católica de Salvador.