Título: Descaso atinge mão de obra e infraestrutura
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Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2011, Opinião, p. 12

A escassez de mão de obra revelada por estudo da Consultoria Manpower não constitui surpresa nem para o governo nem para empresários. Talvez não esperassem que o número fosse tão alto. Segundo a pesquisa, 57% das organizações enfrentam dificuldade na hora de preencher vagas. A escassez não se restringe a quadros altamente qualificados. Atinge também funções básicas ¿ motoristas, secretárias, contadores, operadores de produção e representantes de vendas. É o pior dos mundos.

Pessoas buscam colocação. Mas, incapazes de entender um manual de instruções ou de manejar máquinas minimamente sofisticadas, perdem a oportunidade de entrar no mercado formal de trabalho. Formam, então, um exército de desocupados que, para sobreviver, são obrigados a se dedicar a bicos. Ficam à margem dos benefícios assegurados pela legislação trabalhista e pelos avanços da civilização. Em suma: reproduzem a pobreza.

O colapso da mão de obra acompanha o da infraestrutura e tem a mesma raiz. Sem planejamento de longo prazo, o país não se preparou para crescer. Estradas, portos, aeroportos, energia, logística de armazenagem e transporte não mereceram a atenção necessária para enfrentar os desafios previsíveis. A ¿década perdida¿, como são chamados os anos 1980, contribuiu para a imprevidência. O que se tinha era suficiente para o gasto de uma economia praticamente estagnada.

Técnicos e demais profissionais existentes respondiam às necessidades do mercado. Sem pressão de demanda, cursos profissionalizantes ficaram em segundo ou terceiro plano. A corrida se concentrou no patamar superior, cujas portas se escancaram sem preocupação com investimentos na excelência. O ensino básico, calcanhar de aquiles nacional, tampouco mereceu a atenção devida.

O governo, num esforço hercúleo, empenhou-se em universalizar o acesso à escola. Na verdade, tentava recuperar o tempo perdido. Nossos vizinhos sul-americanos haviam vencido essa etapa havia muito tempo. O interesse, concentrado na quantidade, não se estendeu à qualidade. Resultado: a avaliação do ensino implantada na década de 90 revelou a existência de milhões de analfabetos ¿ reais e funcionais.

Os números indignam e assustam. Ao concluir o ensino básico, 62% dos brasileiros leem mal e não entendem o enunciado; 89% deles são incapazes de fazer as quatro operações. Nada menos que 14 milhões de adultos engordam as estatísticas dos analfabetos. O fiasco ultrapassou as fronteiras nacionais. Entre os 65 países avaliados pelo Pisa (o mais respeitado teste comparativo do desempenho escolar), O Brasil aparece em 53ª lugar.

É este país ¿ que precisa desesperadamente melhorar a qualidade do ensino público para poder crescer ¿ que se dá ao luxo de adotar livro didático com ensinamentos heterodoxos. ¿Os livro¿ e ¿nós pega o peixe¿, segundo a obra, são corretos embora sujeitos a preconceitos linguísticos. O Ministério da Educação, ao abonar a tese, condena os jovens à ingnorância e à medicocridade ¿ incapazes de disputar uma do milhão de vagas existentes. Perdem eles. Perde o país.