Título: Reformas ou maquiagem?
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2011, Mundo, p. 14

A União Soviética desmoronou há quase duas décadas, sepultando o sonho de uma grande nação comunista. A China se abre cada vez mais ao capitalismo e vive um boom econômico. A Coreia do Norte, considerada pária pelo Ocidente, vê a população minguar de fome. Laos e Vietnã estão longe de serem exemplos de desenvolvimento. Desde que assumiu o poder em Cuba, o presidente Raúl Castro tem anunciado uma série de reformas econômicas, políticas e sociais. Em uma primeira análise, o Estado socialista moldado por Fidel Castro e Ernesto Che Guevara estaria sucumbindo à ordem financeira mundial. No entanto, especialistas e cubanos veem no pacote de medidas uma forma de o regime castrista amenizar a grave crise econômica e perpetuar-se no poder.

No ano passado, o professor Angel*, 32 anos, recebeu um convite para lecionar em Angola. Não mais voltou a Cuba, onde ganhava um salário equivalente a apenas US$ 23 por mês. Hoje, ele vive nos Estados Unidos e não tem ilusões em relação a uma sedução da ilha caribenha pelo capitalismo. ¿Está provado que o comunismo não funciona no mundo real e, para manter-se, necessita da repressão¿, analisou o cubano ao Correio, pela internet. ¿As medidas do 6º Congresso do Partido Comunista Cubano (PCC) não bastam¿, comentou. ¿São apenas pequenas aberturas políticas, nada de liberdades políticas e sociais¿, acrescentou.

Segundo Angel, os cubanos ainda não podem expressar o que pensam nem afiliar-se a algum partido político. Ele acredita que as reformas de Raúl Castro têm o objetivo de reparar um erro do passado. ¿No início da Revolução Cubana, o governo dissolveu toda a atividade econômica privada¿, lembra. ¿A vida em Cuba segue estressante e frustrante, principalmente para os mais jovens.¿ Entre as principais medidas anunciadas, está a autorização para as 178 empresas do setor privado contratarem funcionários. Os cubanos também terão o direito de viajar ao exterior, na condição de turistas (veja quadro).

Em 19 de abril passado, durante o congresso do PCC, o próprio presidente cubano justificou as transformações. ¿O principal inimigo que enfrentamos e enfrentaremos são nossas próprias deficiências. Por isso, não renunciaremos a fazer mudanças que façam falta e as efetuaremos ao ritmo demandado pelas circunstâncias objetivas, e sempre com o apoio e a compreensão da cidadania, sem colocar em risco a unidade popular¿, comentou Raúl.

Paliativo Professor de relações internacionais da Universidade Internacional da Flórida, o ex-prisioneiro político cubano Sebastian Arcos Cazabon acredita ser risível considerar a flexibilização do setor privado como uma reforma. ¿Trata-se de um paliativo para a séria crise econômica do regime, que o tem forçado a reduzir o tamanho do Estado. Cuba está completamente hipertrofiada há mais de 50 anos¿, opina. Para ele, o fato de um direito tão elementar como o de fazer turismo no exterior ser prerrogativa do Estado demonstra o caráter repressivo do regime.

¿Enquanto o poder permanecer com a hierarquia atual, não haverá possibilidade de abertura nem de progresso para Cuba¿, alerta Sebastian. Segundo o professor, apesar de reconhecer tacitamente o fracasso da economia centralizada, o recém-finalizado congresso do PCC praticamente nada mudou nos campos político e econômico da ilha. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, cobrou uma ¿mudança real¿ do regime cubano, como condição para normalizar as relações entre os dois países ¿ ou seja, levantar o bloqueio econômico imposto há décadas pelos EUA.

O também cubano Jaime Suchlicki, historiador e diretor do Instituto para Estudos Cubano-Americanos da Universidade de Miami, descarta que o país de Raúl esteja movendo-se em direção à economia de mercado ou ao capitalismo. ¿O presidente fez ajustes para tranquilizar a população, ficar no poder indefinidamente e resolver problemas imediatos. Nos últimos 50 anos, não houve mudanças no controle político¿, observa. Ele vê a questão da abertura ao turismo como uma estratégia para expulsar os opositores e explica que o próprio Fidel Castro já havia permitido a saída anual de 20 mil cubanos, após acordos firmados com os EUA.

¿O problema é: que nação vai aceitar um grande número de turistas cubanos? Há 750 mil esperando pelo visto de turista, e o Brasil não vai oferecer 100 mil documentos para eles¿, alfinetou. A contratação pelo setor privado também não contagia Suchlicki. De acordo com ele, as áreas contempladas incluem subempregos, como cortadores de árvores e entregadores de pizza. ¿O governo vai exigir que essas pessoas obtenham uma licença e paguem entre 25% e 35% do salário em impostos¿, explica.