Título: Rede de segurança
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2011, Tecnologia, p. 16

O norte-americano Cris* vive em Los Angeles, na Califórnia (Estados Unidos). Há quatro anos e quatro meses sua vida passou por um revés. Uma amiga estava no hospital e precisava de sangue O negativo, um tipo relativamente raro. Ele, que tem o mesmo tipo de sangue, se prontificou a doar um pouco para a amiga. A transfusão, no entanto, não pode ser concretizada. Um dos exames preliminares acusou que o rapaz, hoje com 36 anos, era soropositivo para o HIV, o vírus causador da Aids. ¿No início, fiquei chocado, mas depois de alguns dias percebi que teria que me mexer¿, conta o californiano de origem latina. Os relacionamentos nunca mais foram os mesmos, ele passou a sentir medo de se envolver novamente, até que a tecnologia se tornou uma ferramenta essencial para que Cris não se sentisse mais sozinho. Ele foi um dos pioneiros no uso da Positivesingles.com, uma rede social voltada exclusivamente para pessoas que possuem algum tipo de doença sexualmente transmissível (DST).

Além dos portadores do HIV, a rede é direcionada para pessoas com outras DSTs, como sífilis, hepatites B e C, HPV e até mesmo herpes. ¿É um espaço onde eu me sinto mais calmo para me conectar a outras pessoas. Ainda não tive nenhum relacionamento sério com ninguém de lá, mas acho que isso deve acontecer em breve¿, afirma o professor de ginástica, que, mesmo com a nova rede, não abandonou sua conta no MySpace e no Facebook, embora por lá não fale abertamente sobre o assunto. ¿Prefiro manter isso como uma coisa privada, só entre eu e meus amigos da Positive¿, completa.

Além de promover o relacionamento entre os usuários com o compartilhamento de fotos e mensagens, a rede possui um fórum de discussão. Numa rápida passada por lá, não é difícil encontrar mensagens de desabafo, reclamações e dúvidas sobre sexo e relacionamento. Seguindo o rastro do Positives Singles, surgiram o STDMatch.net, o STDPassions.com e o STDCommunity, todos focados em relacionamentos entre pessoas com alguma doença sexualmente transmissível (em inglês, a sigla é STD).

A preocupação de enfocar as DSTs não é exclusividade das redes dedicadas exclusivamente a esse público. Sites de relacionamento voltados para encontros também vem incluindo o assunto junto aos hobbies e interesses na lista de informações de seus usuários. A Online Buddies, empresa americana detentora do ManHunt.net e do Dlist.com, duas redes direcionadas para o público masculino homossexual, foi criada há cerca de seis anos. ¿O Departamento de Saúde da Califórnia nos sugeriu a criação de uma pergunta relacionada ao tema no cadastro dos usuários¿, disse David Novak, estrategista de saúde da empresa, ao Correio.

Além do campo destinado ao status de HIV, a empresa criou uma área em seu site para informar sobre o assunto, dando dicas de como evitar o contágio e a transmissão da doença. O objetivo é informar os usuários de que é possível se relacionar, inclusive sexualmente, de maneira segura com pessoas soropositivas. ¿Acho que isso ajuda todo mundo: tanto o site, que se torna um ambiente confiável, quanto os usuários, que se sentem mais seguros para interagirem entre si de maneira consciente¿, completa.

Com ou sem estigma? Nos dois sites sob responsabilidade de Novak, é possível responder se o usuário é soropositivo, na opção ¿Pergunte-me¿. ¿Ela surgiu porque acreditamos que isso é uma questão privada de cada um, as pessoas podem simplesmente querer dizer: `Ei, isso é confidencial, não quero falar sobre o assunto¿¿, afirma o americano. Para evitar que a questão se torne um estigma, o site não permite que os usuários declarem esse tipo de informação em seus perfis ¿ somente caso queiram, em contato direto com quem pergunta. ¿Isso surgiu de um feedback que recebemos de nossos usuários, pois as pessoas nos disseram que preferiam ter nos perfis apenas outros assuntos¿, completa o executivo da Online Buddies.

Para Leonardo Bortoletto, diretor comercial e de marketing da Web Consult, o surgimento de redes sociais para o público com DSTs é algo completamente natural, consequência do desenvolvimento da internet. ¿Acho que isso é uma tendência relacionada à segmentação do mercado¿, afirma o especialista. Assim como novas formas de comunicação voltadas para determinadas especialidades profissionais chegaram ao mercado, é de se esperar que o mesmo aconteça com as mídias sociais. ¿Isso é não apenas um processo natural, mas uma tendência para os próximos anos¿, opina.

A coordenadora do Grupo pela Vida, organização não governamental de Niterói (RJ) que trabalha com jovens que foram contaminados com o HIV via transmissão vertical, Jaci Sampaio, tem uma opinião contrária. Para ela, o surgimento de redes sociais direcionadas a esse público específico é uma forma de segregação. ¿Essa é a forma de comunicação deles. Muitos dos jovens com quem trabalhamos aqui mal sabe usar o e-mail, mas mantêm perfil no Orkut¿, afirma a ativista. ¿Acho que o que uma ferramenta como essa faz é criar mais uma forma de estigma¿, completa.

Ela concorda, no entanto, que esse movimento de separação ocorre de maneira natural. ¿Pelo que vemos com os meninos aqui, é natural que eles criem grupinhos para discutir seus assuntos de interesse, o que inclui as questões de saúde. É algo independente da criação de um site novo¿, pondera. Jaci lembra ainda que isso acabaria inclusive com a integração que as redes socias têm com outros tipos de conteúdos. ¿O que eu não acho muito legal é separar. O Ministério da Saúde, por exemplo, atinge uma boa parte da população com campanhas em redes sociais, o que se perderia um pouco com a criação de redes específicas¿, afirma.

No entanto, para o especialista em mercado digital Leonardo Bortoletto, no mundo 2.0 ¿ onde cada usuário também é produtor de conteúdo ¿, fenômenos como esses devem ser estendidos a outros grupos justamente por esse caráter cada vez mais democrático e plural que a web tende a ter. ¿A tendência atual é que cada vez mais a internet de cada um tenha a sua própria cara. Portanto, cada vez mais devem surgir iniciativas como essa¿, completa.

» Nome fictício a pedido do entrevistado