Título: Caic, 20 anos depois
Autor: Tolentino, Lucas
Fonte: Correio Braziliense, 23/05/2011, Cidades, p. 28

O pequeno Kauã Cavalcante, de 6 anos, passou por um experiência que poucas crianças vivenciaram. Aos 3 anos, começou a frequentar o Caic Júlia Kubitschek, em Sobradinho 2. Passava o dia na escola. Almoçava, desenvolvia atividades lúdicas, lia histórias, jantava e só no início da noite voltava para casa. O garoto nem percebia que aprendia enquanto brincava. A mãe do menino, a auxiliar de serviços gerais Andréia Cavalcante, 35, aprovava a iniciativa. ¿Dava para trabalhar com a segurança de que meu filho recebia um ensino de qualidade¿, lembra.

A caçula da família, porém, não terá o mesmo privilégio. Maria Vitória Cavalcante, 3 anos, ingressou no colégio há poucos meses. Mas a instituição abandonou o regime integral. Quem estuda pela manhã deixa a escola por volta de meio-dia. A jornada do restante dos alunos começa depois do almoço e termina no fim da tarde. Como Kauã e Maria Vitória, muitas crianças pelo Distrito Federal afora experimentam a decadência dos ideais e projetos definidos pelo governo federal para as instituições de ensino que levam o nome de Caic.

Em 1991, durante a gestão do presidente Fernando Collor de Mello, o Ministério da Educação criou um novo modelo com a construção do Centro de Atenção Integral à Criança, o Caic. O programa completa 20 anos em outubro e não passa nem perto do que era à época. As consultas médicas se foram, assim como as aulas regulares de educação física e as oficinas artísticas.

Com duas torres e um ginásio em formato triangular ao lado, os pavilhões de arquitetura inconfundível abrigam hoje um número muito superior de jovens. Em vez de cerca de 400 alunos, como era no começo, a quantidade de estudantes ultrapassa a casa dos milhares. Somente no Júlia Kubitschek, há 2,1 mil matrículas, divididas em 83 turmas.

O inchaço prejudicou o andamento das atividades do programa. O atendimento nas áreas de artes, esportes e saúde no período inverso ao das aulas (veja Para saber mais) quase não existe mais. ¿A demanda foi aumentando e o número de colégios construídos não acompanhou esse crescimento. Viramos uma escola classe gigante¿, constata a diretora do Caic Júlia Kubitschek, Mábia Neves. A professora reprova a destruição do modelo inicial. ¿O Caic foi concebido para poucos alunos e teria mais qualidade. As coisas se inverteram.¿

O expediente não ocorre o dia inteiro por falta de profissionais. Segundo Mábia, os nove monitores que trabalham no Júlia Kubitschek não são suficientes para ajudar os professores das turmas da creche. A diretora acrescenta que muitos deles pedem demissão porque passam em concursos melhores, e o quadro de funcionários fica sem reposição. Com isso, as crianças de 2 e 3 anos só permanecem no local em meio período. Apenas 56 meninas e meninos do 1º ao 5º ano frequentam o Caic de Sobradinho 2 no sistema de ampliação de horário, com aulas de reforço e almoço.

Mobilização As mudanças e dificuldades fazem parte da rotina da maioria das unidades. O primeiro Caic da história, o Santa Paulina, fica no Paranoá. Os docentes e gestores tentam fazer os preceitos iniciais funcionarem, mas esbarram em empecilhos administrativos. A diretora da instituição, Neila Bretas, ressalta que o prédio tem problemas nas redes elétrica e hidráulica. O ginásio precisa de pintura nova e o campo de futebol não tem grama.

O decreto de morte do modelo integral do colégio foi assinado sete anos depois da inauguração. Em 1998, o Governo do DF alterou a modulação do Santa Paulina para o formato de escola classe. ¿O Caic era um referência para a comunidade. Tinha apoio psicológico, nutricionista, dentista. É isso que a gente almeja¿, planeja Neila. Quando assumiu a chefia do local, em 2007, a professora mobilizou diretores de outros Caics do DF.

O corpo docente, formado por 42 professores regentes e quatro coordenadores pedagógicos, é insuficiente para conduzir atividades além das classes regulares. Do total de 1,1 mil estudantes, cerca de 400 são os únicos que participam de atividades extras.

A professora Benedita Martins, 46 anos, matriculou a filha Lídia, 8, no Santa Paulina, onde leciona. A menina participa de atividades extraclasse duas vezes por semana no local. A mãe queria que fossem mais frequentes. ¿Acabo colocando-a em cursos por fora. Para ela e para todos, o ideal seria ficar em período integral mesmo. É o único jeito de estimular os estudos, a leitura¿, conclui.

Por toda parte Veja onde ficam as unidades do DF:

Brazlândia Caic Professor Benedito Carlos de Oliveira Área Especial 5, Setor Tradicional

Ceilândia Caic Bernardo Sayão QNN 28, Área Especial H a K, Guariroba Caic Professor Anísio Teixeira QNO 10, Área Especial A, Setor O

Gama Caic Carlos Castello Branco EQ 20/23, Setor Oeste

Núcleo Bandeirante Caic Juscelino Kubitschek SMPW Quadra 16, Área Especial 2

Paranoá Caic Santa Paulina Quadra 5, Conjunto C

Planaltina Caic Assis Chateaubriand Área Especial 3, Setor Leste 1

Samambaia Caic Ayrton Senna QR 117, Setor Urbano Caic Helena Reis QR 409, Área Especial 1

Santa Maria Caic Albert Sabin EQ 304/307, Lote E Caic Santa Maria EQ 215/315, Lote B

São Sebastião Caic Unesco Quadra 5, Conjunto A, Área Especial

Sobradinho 2 Caic Júlia Kubitschek AR 13, Conjunto 3, Área Especial 1

Taguatinga Caic Professor Walter José de Moura QS 7, Área Especial 2