Título: Nós úmidos do Itamaraty
Autor: Nogueira, Josué
Fonte: Correio Braziliense, 22/05/2011, Política, p. 6

Recife ¿ O nó que amarra segredos inconfessáveis da República brasileira tem as pontas bem seguras pelo Itamaraty. Os diplomatas são confidentes ¿ e, por vezes, protagonistas ¿ privilegiados da história. A atuação discreta e fiel dos profissionais das relações exteriores permitiu a esse segmento sobreviver incólume a percalços. Mesmo no período da ditadura, quando grande parte das instituições públicas sofreu desgaste, o órgão auxiliar da Presidência manteve a imagem de reserva moral do Estado. Justamente por ter sido a exceção à regra nos anos de chumbo, motiva questionamentos. Um deles evoluiu para estudo acadêmico e virou tese de doutorado em sociologia na Universidade Federal de Pernambuco.

O trabalho acaba de ser documentado em Habitus Diplomático: Um estudo do Itamaraty em tempos de regime militar (1964-1985), livro lançado em abril pela Editora Universitária. David do Nascimento Batista, o autor, define a atuação diplomática como um ¿nó úmido¿. A analogia sublinha as dificuldades de desvendar o universo pesquisado ¿ afinal, desatar nó úmido é tarefa inglória. Em cinco anos de trabalho, ele conseguiu um único depoimento entre as solicitações dirigidas a diplomatas e funcionários da administração do Ministério. Ainda assim, diz, a conversa não ofereceu elementos para que se entendesse de fato o que se passou naquele tempo. ¿Eles são mestres da palavra e da dissimulação honesta¿, define.

Assepsia De qualquer modo, a tese chegou a verdades sobre uma área pouco explorada pela academia. ¿O Itamaraty trabalha com disciplina. Eles (diplomatas) não têm nem raiva nem preconceito com nada que se passa e diz respeito a eles. Pelo menos oficialmente. Trata-se de uma habilidade extrema em passar uma imagem asséptica, quando, na verdade, integram um aparato que, para que se constitua como um aparato permanente, tem que trabalhar com segredo¿, diz.

O trabalho de Batista, professor de direito e administração da Faculdade Marista de Pernambuco, conclui que o corpo diplomático se molda a partir de uma ética especial, diferente da ética convencional e ajustada ao campo que ele integra. Tal atitude é justificada pela lealdade irremovível ao Estado. ¿O patrão dele não é o governo, é uma estrutura que está acima dele. O patrão é o Estado. São coisas distintas. O governo apenas ocupa um determinado espaço do Estado por um tempo. Eles (os diplomatas) têm que ter zelo, cuidado e respeito acima de qualquer regime.¿

Essa fidelidade é exemplificada com o apoio do Itamaraty à campanha dos militares para evitar que Dom Helder Câmara recebesse o Prêmio Nobel da Paz. Eles temiam que as denúncias que o então arcebispo de Olinda e Recife fazia ao regime ganhassem força. Esses e outros episódios ajudam a esclarecer como, mesmo que sintam ¿repugnância¿, os diplomatas, segretários por ofício, se mantêm disponíveis às demandas do governo. Adaptados ao que Batista chama de ¿silêncio oportuno¿.