Título: A Rio + 20
Autor: Goldemberg, José
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2011, Opinião, p. 21

Professor da Universidade de São Paulo (USP)

Deverá realizar-se no Rio de Janeiro em meados do próximo ano grande evento internacional para marcar o 20º aniversário da Rio-92, que foi a maior reunião internacional já realizada pelas Nações Unidas e que adotou a Convenção do Clima e a Agenda 21, em 1992.

Esses são dois documentos fundamentais na longa trajetória que a humanidade tem percorrido na busca de um tipo de desenvolvimento que não seja predatório e que garanta às futuras gerações acesso às amenidades que temos atualmente. Isto é, o que se entende por desenvolvimento sustentável.

O Brasil tem uma história conturbada nessas questões: na Conferência de Estocolmo, em 1972, que foi o marco inicial das preocupações ambientais da nossa época, os representantes do Brasil se opuseram violentamente à adoção de qualquer restrição ao desenvolvimento que resultasse de considerações ambientais. A visão, na época, em pleno regime militar, era o de promover desenvolvimento acelerado sem se preocupar com poluição. A contrariedade a isso era vista como uma conspiração para evitar o nosso desenvolvimento. Essa é a ocasião em que se iniciou no país a ocupação predatória da Amazônia, com os resultados desastrosos que conhecemos: 15% da Amazônia desmatada sem trazer às populações locais condições adequadas de vida.

Graças ao papel de Paulo Nogueira Neto, que criou a Sema (Secretaria Especial do Meio Ambiente) da Presidência da República, no governo do general Figueiredo, a posição brasileira evoluiu, o que levou a Assembleia Geral das Nações Unidas a decidir que seria no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Uncede), em 1992.

O presidente Fernando Collor deu apoio entusiástico aos preparativos da conferência e mobilizou o Itamaraty para que ela se transformasse no grande evento da década. Com efeito, mais de 100 chefes de Estado vieram ao Rio (um número recorde) e se reuniram na Praça do Flamengo centenas de organizações ambientalistas e centenas de milhares de pessoas.

O que caracterizou a Conferência do Rio foi um esforço multinacional que tomou decisões importantes, como a adoção da Convenção do Clima, em que todos os países entraram em acordo para enfrentar o problema do aquecimento global. Apesar de um pouco vaga, a Convenção do Clima abriu caminho para o Protocolo de Kyoto, em 1997, que obrigava as nações industrializados a reduzir efetivamente suas emissões de gases responsáveis pelo aquecimento do planeta.

Esse sucesso começou a se dissipar quando o Senado dos Estados Unidos se recusou a ratificar o Protocolo de Kyoto, em 1998. Pouco depois, com a eleição do presidente Bush, a diplomacia multinacional foi abandonada em todas as áreas (também na área ambiental) e entramos num período em que alguns países praticamente ignoraram a Convenção. A regra passou a valorizar apenas políticas unilaterais, sem qualquer senso de responsabilidade internacional conjunta. Isso culminou com o fiasco da Conferência de Copenhague, na qual qualquer esforço conjunto para enfrentar o problema do aquecimento global foi abandonado. Pior ainda, as ações unilaterais tomadas pelos principais poluentes foram insuficientes para evitar o aquecimento.

A Rio 20, em 2012, oferece a oportunidade para recuperar o entusiasmo de 1992 e adotar novas iniciativas que mobilizem os governos na direção de um desenvolvimento sustentável. Essa não é uma questão retórica: o conflito entre a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento econômico está ocorrendo em todos os países e dentro do próprio Brasil, de que é exemplo o confronto, cada vez mais crescente, entre as grandes obras do governo e a proteção ambiental.

De acordo com recente análise do historiador Hobsbawn, a ideologia do progresso material, base do sistema capitalista, é também a ideologia dos governos de inspiração marxista, como era o da União Soviética e a de muitos outros. Promover o progresso material de maneira que não se destrua o meio ambiente é um conceito novo na historia da humanidade. Se não for adotado, o progresso material vai causar a exaustão dos combustíveis fósseis, alterações do clima. Os riscos que certas tecnologias modernas provocam vão acabar por tornar problemático o próprio progresso. Só um esforço conjunto, como o conseguido na Rio-92, pode reduzir esses riscos.