Título: Ele morreu como herói
Autor: Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 26/05/2011, Cidades, p. 27

Os familiares de três das oito vítimas até agora resgatadas desde o naufrágio do barco Imagination no Lago Paranoá reservaram ontem para despedidas e homenagens. O único enterro no DF ocorreu no Cemitério Campo na Esperança, na Asa Sul, às 16h30. A cerimônia realizada para o militar Adail de Souza Borges, 46 anos, contou com três salvas de tiros e música fúnebre, tocada por cornetas. O cozinheiro deixou a mulher, Maria das Dores de Souza Borges, e a filha, Sara, 16 anos. ¿Ele morreu como herói. Hoje, no velório, veio a dona do bufê com a filha e nos contou que Adail tirou o colete para dar para a menina¿, disse o amigo Wanderson Dias Marques, 40. Adail era taifeiro, graduação de primeira classe do Exército, e trabalhava na embarcação.

O bebê João Antônio Fernandes Rocha, de sete meses, e a mãe, Valdelice de Souza Fernandes, 36, foram velados rapidamente na capela ao lado da de Adail, também no Campo da Esperança. Os corpos deles chegaram por volta das 14h e, às 15h45, deixaram o local rumo a Ibotirama (BA), cidade natal de Valdelice, localizada a 800km da capital federal. Os cinco irmãos dela que moram em Brasília seguiram para a Bahia em cortejo.

O pai de Valdelice, Antônio Fernandes, veio para o DF assim que soube do acidente. ¿Eu não tinha esperanças de encontrá-la viva¿, admitiu. Ele não conseguiu ficar muito tempo dentro da capela e passou boa parte do velório a circular pelas proximidades. ¿Uma filha e um neto não podem ser enterrados antes do pai e do avô¿, lamentou.

A vítima tinha sete irmãos e veio para Brasília a trabalho. Antes do acidente, ela tinha abandonado o serviço para se dedicar ao filho João Antônio. ¿Ela foi buscar um colete para colocar no bebê. O José Carlos (Rocha, marido dela) chegou a puxá-la para ela não ir, mas depois nos perdemos no meio daquela escuridão e gritaria¿, contou a cunhada de Valdelice, Aline Gino de Oliveira, 24 anos. Valdelice era mãe de três filhos e agora deixa dois: Henrique, 17 anos, e Maria Vitória, 4.

José Carlos Rocha (E) perdeu a mulher e o filho de seis meses na tragédia

Perdas O movimento no Instituto de Medicina Legal (IML) continuou intenso três dias após o acidente no Paranoá. Familiares da dona de casa Valdelice Fernandes, 36 anos, e do despachante Robinson Araújo de Oliveira, 29, passaram a manhã no local para liberar os corpos das últimas duas vítimas encontradas pelos bombeiros na noite da última terça-feira. Para o comerciante José Carlos Rocha, 46 anos, a dor de perder a mulher e o filho parece que não vai passar. ¿A gente não consegue se conformar. A dor da perda é muito grande e só o tempo pode curar isso que a gente está sentindo¿, desabafou.

Ele sempre se lembrará da mulher como dedicada à família e carinhosa com os filhos. ¿Ela tinha muitos planos para eles. Queria vê-los formados. A Vitória quer ser médica, e o João seria jogador de futebol¿, disse. Para confortar José Carlos, familiares vieram de Ivorá (RS). ¿Estamos todos muito consternados. Viemos dar força para ele¿, disse a irmã Idite Barichelo.

Abalado, Antônio não se conforma com a morte do único filho homem, Robinson. ¿Ele nadava muito bem, e estava lá se divertindo. Vamos buscar justiça. Os culpados devem ser punidos¿, adiantou. Na opinião dele, os sobreviventes e familiares das vítimas do naufrágio devem se unir para brigar pela punição dos responsáveis. ¿Tenho certeza que o barco não tinha condições de receber tanta gente. Também não nos procuraram, não deram nenhum apoio¿, reclamou.

Antônio soube da tragédia por meio do amigo de Robinson Leonildo de Amorim, 23 anos, que também estava na embarcação. Logo após receber a ligação, ele veio para Brasília com a mulher e as duas filhas. O sobrevivente contou ao Correio que os colegas chegaram a brincar sobre a possibilidade de o barco afundar.

¿Ele (Robinson) disse que era bom de nado e atravessaria o lago, caso alguma coisa acontecesse¿, afirmou. O despachante era separado e não tinha filhos. ¿Era trabalhador, um menino muito humilde. E divertido também¿, lamentou o pai.