Título: Relação de cumplicidade
Autor: Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 30/05/2011, Economia, p. 9

A aposentada Heloísa Aroeira, 60 anos, sabe o valor de uma boa profissional doméstica, e não esconde isso. Ela resolveu cortar gastos com outros funcionários, mas fez questão de manter a sua empregada, Cleonice de Jesus, 52, carinhosamente chamada de Cléo. ¿Tínhamos mais pessoas trabalhando em casa, mas mantê-las em tempo integral ficou mais caro do que contratar serviços semanais. Então, cortamos alguns funcionários, mas ficamos com a Cléo. E tudo está funcionando muito bem¿, conta.

A opção por Cléo não foi só pelo fato de ela ser excelente profissional. Pesou, também, a relação afetiva. Heloísa conta que, por passar bastante tempo com a empregada, há um companheirismo enorme entre elas. ¿Sempre conversamos e esclarecemos possíveis desentendimentos¿, diz. Cléo acredita que a boa relação com a patroa é fundamental. ¿Há um respeito muito grande entre nós. Nos damos muito bem. Somos companheiras mesmo¿, diz. A empregada, que dorme na residência da aposentada e vai para casa nos fins de semana, tem rotina intensa, dependendo do serviço.

Mas, em prol do bom relacionamento, Heloísa auxilia a empregada em várias situações. ¿Há dois meses, ela torceu o pé e estava com dificuldades para fazer alguns serviços. Fiz questão de ajudá-la nos trabalhos, servia o jantar, carregava pratos. Fazia o possível para colaborar, porque gosto muito dela¿, ressalta.

Atrasos Em 2009, conforme o IBGE, os trabalhadores domésticos recebiam, em média, R$ 389,45, abaixo, portanto, do salário mínimo vigente à época, de R$ 450. A jornada diária estava em quase 12 horas, quando a básica é de oito. ¿Não é à toa que estamos vendo número cada vez menor de pessoas se candidatando a vagas de domésticos¿, diz Ricardo Antunes, professor de sociologia do trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ele se recusa, porém, a endossar a tese de extinção dos domésticos. ¿O que veremos será uma supervalorização. O menor número de trabalhadores disponíveis fará com que os salários subam bastante e as condições de trabalho melhorem. Nada mais justo¿, afirma. Para o professor, a tendência é de quem desempenha funções em áreas que não exigem muitos anos de estudo, como a construção civil, migre para o serviço doméstico de olho nos bons salários.

Há outro fator relevante para o futuro da profissão: custos maiores com a formalização. Para cada R$ 1 mil que o trabalhador recebe, o empregador gasta R$ 1,3 mil. Para Arnaldo Lima, coordenador-geral de Políticas Sociais do Ministério da Fazenda, serão os abastados os mais aptos a manterem empregados. O risco, ressalta, é de as famílias de renda média optarem pela informalidade. (FM)