Título: Empregada doméstica, profissão em extinção
Autor: Monteiro, Fábio
Fonte: Correio Braziliense, 30/05/2011, Economia, p. 9

Famílias brasileiras mudam seus costumes e estão mais próximas da realidade de países desenvolvidos, graças à contratação de uma mão de obra cada vez mais cara e rara para trabalhar nos seus lares.

O economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, levantou a polêmica e foi obrigado a pedir desculpas, registradas, inclusive, em cartório. Ao se referir aos empregados domésticos, declarou, de forma infeliz: ¿São animais em extinção¿. Apesar das palavras inapropriadas, Delfim fez uma constatação verdadeira: será cada vez mais difícil encontrar uma residência no Brasil com um ou mais domésticos nos próximos anos.

Como nos países ricos, onde os empregados são raros e caros, as famílias brasileiras sofrerão forte impacto, pois haverá aumento do trabalho em casa e redivisão dos afazeres. Ou seja, o homem terá que ajudar a mulher nas tarefas do cotidiano. ¿No Brasil, os maridos trabalham em casa não mais do que quatro horas por semana. Já os homens da Escandinávia ajudam as esposas ao menos 18 horas semanais¿, compara o sociólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP) José Pastore.

Olhando apenas para os números mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda não é possível sustentar essa tese. Em 2002, havia 6,2 milhões de trabalhadores domésticos. Sete anos depois, esse exército somava 7,2 milhões ¿ a grande maioria, 5,2 milhões, na informalidade, sem carteira assinada.

Daqui por diante, porém, esse quadro tenderá a se inverter. Com mais educação, filhos das classes C, D e E, que tenderiam a seguir as profissões dos pais ¿ boa parte deles, domésticos ¿ estão optando por um caminho diferenciado. Acreditam que em funções como advogados, médicos, enfermeiros, analistas de sistemas ou engenheiros, ganharão mais e alcançarão novos padrões sociais. Não estão errados.

Pastore é taxativo quando avalia o futuro. Como nos Estados Unidos, na Inglaterra e na Alemanha, a tendência é de que só as famílias mais ricas, das classes A e B, terão condições de arcar com salários elevados e pesados custos trabalhistas para manter em casa, diariamente, empregados domésticos. O grosso da classe média será obrigado a se contentar com serviços de diaristas, que cobram por hora trabalhada, como nos países ricos.

Experiência portuguesa A funcionária pública Magda Myron, 50 anos, sabe muito bem disso. Ela acaba de voltar de Portugal. Lá, hospedada na casa de uma amiga, viu o quanto é privilegiada. A amiga paga sete euros (R$ 17,50) por hora trabalhada da diarista, que vai à residência dela uma vez por semana. Detalhe: a diarista só aceitou o serviço porque o marido, um pequeno empresário da construção civil, quebrou com a crise portuguesa. Aquele país está em recessão e recebeu ajuda de quase 80 bilhões de euros do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia para sair do atoleiro.

¿Temos que nos preparar para seguirmos nessa direção. Patrões e empregados. Os profissionais domésticos serão mais bem qualificados e quem os contratar terá de pagar mais¿, destaca Magda. ¿Hoje, a empregada doméstica sonha com o consumo e busca qualificação para atingir um padrão de vida melhor. Esse preparo, porém, é importante em todos os empregos, já que boa parte do serviço é feita por meio de máquinas¿, emenda. Longe de enfrentar a escassez de mão de obra doméstica, como se vê na Europa, Magda tem a sua diarista: Maria José Santos, 43 anos, que prefere ser chamada de ¿Zeza¿.

A funcionária pública conta que considera Zeza a grande administradora de sua casa, na qual a diarista vai três vezes por semana. ¿Ela sabe mais das coisas do que eu. Quando quero encontrar algum objeto e tenho dificuldade, falo com ela¿, diz. A confiança da patroa é o grande diferencial na relação. ¿Não é fácil encontrar uma pessoa com quem a gente possa deixar a chave de casa e viajar, sabendo que, quando voltar, estará tudo organizado e limpo. Por isso, já temos uma relação de 10 anos¿, revela.

A baiana Zeza, que se mudou para Brasília com os antigos patrões há 20 anos, nem pensa em abandonar Magda. Mas como a patroa, sabe que terá de ampliar seu nível educacional. Ela ressalta que estudou até a 7ª série e que tem muita vontade de continuar os estudos. ¿O problema é que sempre adio esse retorno. Mas tenho o sonho de cursar uma faculdade, vou lutar para conseguir isso¿, garante.

CONGRESSO AVALIA AJUSTES NA LEGISLAÇÃO Atualmente, existem vários projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional, que preveem melhorias nos benefícios dos trabalhadores domésticos e regularizam a situação do setor. Para Mário Avelino, presidente da ONG Doméstica Legal, a melhoria nas condições contratuais e a formalização dos postos de trabalho acabariam com as diferenças existentes entre a categoria e outras profissões. ¿Tenho a certeza de que, com a aprovação desses projetos de lei, teremos pelos menos mais três milhões de trabalhadores formalizados, além da erradicação do trabalho infantil e escravo no emprego doméstico¿, diz.