Título: Impeachment ausente na memória seletiva da Casa
Autor: Jeronimo, Josie
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2011, Política, p. 4

O Senado reinaugurou ontem o ¿túnel do tempo¿, com mostra de 16 painéis que narram a história do Congresso com o cuidado de uma memória seletiva. No quadro destinado à década de 1990, os historiadores responsáveis pelo projeto destacaram na linha do tempo o ano de 1991 e só retomaram a narrativa em 1997, ¿pulando¿ o episódio do impeachment de Fernando Collor, parlamentar em atividade no Senado que foi afastado da Presidência da República em 1992, após decisão do Congresso Nacional.

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou que o impeachment foi um ¿acidente¿ e que a omissão do afastamento do chefe de Estado no início da década de 1990 ocorreu para privilegiar fatos mais importantes. ¿Não posso censurar os historiadores encarregados de fazer a história. Agora, acho que talvez esse episódio seja um acidente que não deveria ter acontecido, mas não é tão marcante como os episódios que estão contados aqui, que foram os que construíram a história, não os que de certo modo não deveriam ter acontecido.¿

A elaboração dos novos painéis do túnel do tempo do Senado foi feita durante seis meses e assinada por um consultor, dois arquitetos e equipe das secretarias de Comunicação e Criação e Marketing da Casa. A assessoria do Senado divulgou nota informando que a omissão do impeachment deveu-se à escolha por valorizar a agenda legislativa.

Segundo o texto, os fatos históricos da mais antiga Casa legislativa do país são narrados em 16 painéis, com textos e imagens seguindo a linha cronológica da história do Brasil, desde 1822. A partir da Constituição de 1988, a opção dos historiadores foi destacar os fatos marcantes da atividade legislativa. O foco da exposição é mostrar a produção legislativa do Congresso Nacional. A discussão e aprovação das leis é a essência do que faz o parlamento como poder republicano.

Escândalos envolvendo a cassação de Luiz Estevão em 2000 e a renúncia de Jader Barbalho, em 2001, também foram esquecidos da mostra que registra a história do Senado.

Exclusão Personagem da militância estudantil à época em que os caras-pintadas tomaram as ruas protestando contra a permanência de Collor no poder, o senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) conta que foi visitar a mostra e percorreu os painéis até a década de noventa, para conferir a abordagem que a Casa deu ao episódio do impeachment. O ex-cara-pintada, que juntamente com o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) liderou protestos pelo afastamento do presidente em 1992, reclama que o túnel do tempo do Senado excluiu quatro personagens da história, ao pular a linha do tempo.

¿Estou indignado, me senti apagado da história. Como historiador, não concordo que fatos sejam apagados. Pularam de 1988 para 2010, como se não tivesse acontecido nada.

É omitido o Plano Real, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a reforma da Previdência do governo Luiz Inácio Lula da Silva e o impeachment em que o Senado foi protagonista. Apagaram quatro personagens da história: Collor, o ex-presidente Itamar Franco, Lindbergh e eu. Se eu fosse o Collor, também estaria indignado. Para a história não existem as palavras constrangimento, indelicadeza¿, protesta Randolfe.

Escândalos e renúncia Bombardeado por escândalos de corrupção, o governo de Fernando Collor de Mello foi questionado pelo Congresso em outubro de 1992, a partir de uma pressão que partiu de reportagens publicadas pela imprensa somadas à mobilização popular. A Câmara aprovou abertura de processo de impeachment e o Senado condenou o presidente por crime de responsabilidade. Pouco antes de o Congresso votar seu impeachment, Collor renunciou ao cargo, em dezembro de 1992. Após o afastamento do presidente, o vice Itamar Franco assumiu o posto e deu sequência ao governo até a eleição de Fernando Henrique Cardoso.