Título: O eldorado do látex
Autor: Luiz, Edson ; Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 31/05/2011, Brasil, p. 8

Enviado especial

Rio Branco e Brasília ¿ A ilusão da fortuna fácil com a seringa não se restringiu ao período da Segunda Guerra. Cerca de 10 anos depois da chegada dos primeiros soldados da borracha à Amazônia ¿ homens que fizeram valer uma parceria do governo de Getúlio Vargas para fornecer borracha aos americanos ¿, outros nordestinos ainda se aventuravam pelo Norte do país em busca de uma vida melhor. Mas poucos conseguiram. Além de não haver mais as mãos do governo na empreitada, seringueiros da própria região já estavam se integrando aos grupos que chegaram a partir de 1942, formando um grande exército de homens e mulheres ludibriados pela promessa de enriquecimento fácil.

Hoje, os poucos sobreviventes continuam à procura de melhorias. Mas eles ainda têm dificuldade de acessar uma aposentadoria. Temem também não estarem vivos quando a Justiça decidir sobre a indenização individual de R$ 763,8 mil requerida pelo sindicato da categoria.

Sem saber ler ou escrever, Raimundo Tamarana do Vale, 81 anos, decidiu, aos 24 anos, deixar o Ceará em busca de uma vida melhor nos seringais da Amazônia. Afinal, em seu estado o que mais se falava era na possibilidade de riqueza com o ciclo da borracha. ¿Me disseram que aqui se juntava dinheiro com gancho¿, recorda Raimundo, que chegou ao Norte do país com mais 17 pessoas. ¿Na minha terra, ainda tentei plantar, mas a seca e a peste acabaram com tudo. O tempo no Ceará estava muito ruim naquela época¿, conta o ex-seringueiro, que lembra bem a primeira vez em que extraiu a borracha: ¿Era 1º de abril de 1955¿.

Ao desembarcar no Acre, Raimundo decidiu seguir para a região de Xapuri (AC). ¿Cheguei em um seringal bruto, morava embaixo de um barracão de onde só se ouviam os esturros das onças e os gritos dos macacos¿, lembra o ex-seringueiro. ¿Lá se morria ou de picada de cobra ou de malária¿, recorda. Orgulhoso de ter criado oito filhos no seringal e de não ter dívidas com os patrões, ele fica triste ao falar sobre sua situação atual. Ao contrário dos soldados da borracha, Raimundo não conseguiu nenhuma outra aposentadoria a não ser a de trabalhador rural. Nem mesmo foi incluído entre os seringueiros nativos que ganham uma pensão vitalícia da Previdência Social. ¿Mas o pouco com Deus é muito¿, diz, conformado.

Raimundo não recebe a pensão vitalícia a que têm direito os soldados da borracha exatamente por ter chegado depois do fim da Segunda Guerra. A lei que instituiu o benefício, de dois salários mínimos, abrange apenas os homens recrutados no âmbito do conflito mundial e seus herdeiros, mas só se eles comprovarem que não têm condições de se sustentar. Hoje, 14.063 pessoas recebem a pensão pela Previdência Social, no valor médio individual de R$ 1.070. Na ação movida na Justiça Federal pelo Sindicato dos Soldados da Borracha e Seringueiros de Rondônia, o valor da indenização pedida é R$ 763,8 mil, que seria o pagamento de R$ 950 mensais equivalentes ao período de 1942 a 2009. ¿ Não se trata de estabelecer dois salários mínimos. O critério que adotamos foi considerar o menor valor que poderia ser pago a eles pelos danos materiais e morais¿, afirma o advogado Irlan Rogério Erasmo da Silva.

Silva acredita que o processo, caso seja julgado procedente, pode abrir caminho para que outros soldados da borracha entrem com ações. Segundo ele, a indenização teria que ser paga pelo governo brasileiro, já que os Estados Unidos chegaram a liberar US$ 150 milhões ao Brasil em 1942. O sindicato anexou vários documentos ao processo, como cópias de depoimentos dados à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Campanha da Borracha, instalada em 1946 pelo Congresso Nacional. ¿Nos anos iniciais de trabalho, nenhum seringueiro conseguiu saldar o débito com o seringalista no barracão e, daí em diante, eles tiveram que aviar com o patrão, submetendo-se às condições de escravos¿, acrescenta.